Questionário Computadorizado de Auto-Avaliação para Depressão

QCA-DFundoBrancoO Questionário Computadorizado de Auto-avaliação para Depressão (QCA-D) foi baseado em trabalhos de pesquisadores da Universidade de Londres. Eles desenvolveram um questionário de auto-avaliação a partir da Escala de Hamilton para Depressão (EHD). Este questionário apresenta algumas modificações em alguns itens da EHD. Por exemplo, adicionaram itens para ideação suicida, pois são considerados importantes no planejamento da conduta clínica em pacientes com depressão. No total, o questionário ficou com 18 itens, um a mais que a EHD.        

 

 

O questionário foi utilizado em diversas pesquisas e os  resultados  demonstraram que as aplicações realizadas por computador apresentam uma alta correlação com as avaliações dos clínicos. Na Inglaterra foi arbitrariamente escolhido o ponto de corte em 10. As informações obtidas pelo questionário, utilizando-se o computador, foram bastante precisas em discriminar pacientes deprimidos de um grupo de controle normais. Outros estudos demonstraram que o questionário aplicado pelo computador apresenta uma alta correlação com a EHD, sendo  utilizado em pesquisa de tratamento farmacológico de pacientes com depressão. Observou-se que o questionário  conseguia fazer a previsão do suicídio com  precisão maior do que os clínicos.

O Dr. Tárcio Carvalho e colaboradores realizaram uma cuidadosa tradução para a língua portuguesa do questionário, originalmente em inglês. Uma pesquisa avaliou a tradução, encontrando uma boa equivalência lingüística, conceitual e da escala. De fato, obtiveram  altos índices de concordância entre os questionários em Inglês e Português. Além do esforço do grupo em tentar obter uma boa tradução, a técnica de “back-translation” e consultas freqüentes a profissionais com experiência em tradução ajudaram no processo. Esses dados indicam que ela pode ser utilizada em Português para avaliação de estados depressivos. Os pesquisadores desenvolveram um software para aplicar o questionário e denominaram-no de Questionário Computadorizado de Auto-avaliação da Escala de Hamilton para Depressão (QAEH-D). Após uma série de estudos, houve
importantes modificações nesse questionário e no software, passando então a chamá-lo de Questionário Computadorizado de Auto-avaliação para Depressão (QCA-D). Atualmente, o questionário apresenta uma alta sensibilidade para depressão.

Pode ser utilizado de diversas formas. O questionário:

  • Mede a intensidade da depressão;
  • Avalia a evolução do tratamento da depressão;
  • Faz seleção de grupos, sugerindo pessoacom grande suspeita de depressão maior.

O QCA-D tem uma série de vantagens. As perguntas são curtas, consta apenas de 18 itens e é muito fácil de ser respondido. Em geral, as pessoas não relataram dificuldades no seu preenchimento, sendo que a maioria responde o questionário em menos de 10 minutos. O software foi desenvolvido para o ambiente Windows da Microsoft. Os pacientes respondem o questionário utilizando o mouse. Além da obtenção do resultado automaticamente no final da avaliação, os dados são armazenados para utilização em outras avaliações, comparações e pesquisas. Além disso, produzem gráficos para avaliação da evolução do distúrbio depressivo.

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A PSICOPATOLOGIA CLÍNICA DE KURT SCHNEIDER: a sistemática clínica, a delimitação do conceito de doença e os sintomas de primeira ordem

Fonte: Neurobiologia;58(2):45-52, abr.-jun. 1995.

A PSICOPATOLOGIA CLÍNICA DE KURT SCHNEIDER: a sistemática clínica, a delimitação do conceito de doença e os sintomas de primeira ordem.

Autores

Everton Botelho Sougey, Prof. Adjunto do Departamento de Neuropsiquiatria do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco.

Tárcio Fábio Ramos de Carvalho, Médico-Psiquiatra, Doutor em Saúde Mental pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Resumo

Os autores realizaram a revisão de três importantes noções da obra psicopatológica de Kurt Schneider: a classificação dos transtornos mentais, a delimitação do conceito de doença e as definições clínico-descritivas dos sintomas de primeira ordem. A “Psicopatologia Clínica”, obra que sintetiza o pensamento psiquiátrico de Kurt Schneider, é considerado o último clássico da psiquiatria e sua leitura fundamental, sobretudo para os psiquiatras em formação.

Unitermos: Kurt Schneider, psicopatologia, sintomas de primeira ordem

Summary

Kurt Schneider’s Clinical Psycopathology: the clinical systematization, the delimitation of concept of disease and the First Rank Symptoms.

The authors revised three important notions of psychopathologic work of the Kurt Schneider: the classification of mental disease, the delimitation of concept of disease and the clinical-descritive definitions of the First Rank Symptoms. The “Clinical Psycopathology” is the work that synthesizes the Schneider’s thought. It is considered the last classical work of the psychiatry and the reading is very important, especially for the young psychiatrists.

Uniterms: Kurt Schneider, psychopathology, First Rank Symptoms

“A tarefa da Psicopatologia não apenas está inacabada como tem diante de si um extenso campo de trabalho.”                                                                               K. Schneider

O movimento que marcou a evolução do conhecimento psiquiátrico nessas últimas décadas tem se caracterizado principalmente pelo retorno do interesse na pesquisa diagnóstica. Esse interesse tem se traduzido pela análise crítica dos sistemas nosológicos tradicionais, propostas de novos sistemas e elaboração de técnicas de definição originais. Paralelamente, consolidaram-se novas tendências de referencial neurobiológico e pouco a pouco a concepção funcional de um sistema nervoso envolvendo substâncias neurotransmissoras foi substituindo o antigo modelo morfológico da psiquiatria anátomo-clínica. O avanço das chamadas neurociências tem produzido modelos fisiopatológicos aplicáveis à prática clínica que estão a exigir do psiquiatra familiaridade cada vez maior com os métodos neuroquímicos e com a tecnologia dos exames de neuroimagens.

Nos dias atuais, o treinamento de psiquiatras inclui manejo de computadores, utilização de instrumentos estandardizados para coleta de dados durante o exame mental, assimilação de definições operacionais de sintomas e comportamentos dos pacientes para formulação diagnóstica, entre outras exigências. Como afirma Leme Lopes (3), “os psiquiatras precisam atingir um virtuosismo técnico.” Apesar de todas as vantagens das novas técnicas de aprendizado da psicopatologia, o volume e a diversidade do conhecimento, aliadas à linguagem semi-informatizada das nosologias atuais podem produzir lacunas ou distorções na aquisição de competência clínica em semiologia psiquiátrica.

A capacidade de apreender as manifestações anormais do psiquismo durante o exame do paciente e posteriormente ser capaz de identificar dimensões sindrômicas no conjunto dessa sintomatologia, constitui a base da formação médico-psiquiátrica. A semiologia tem sido considerada historicamente uma atividade de grande importância na nossa prática.

Em medicina, tanto os fenômenos que se exteriorizam quanto aqueles que são vividos subjetivamente pelo paciente só são valorizados como sintomas na medida em que eles indicam a doença, da qual são considerados manifestações. Infelizmente, apenas um pequeno grupo de transtornos mentais podem ser identificados no plano etiológico. Para a grande maioria destes transtornos os conceitos etiológicos podem apenas ser considerados como hipóteses. Esta peculiaridade da psiquiatria torna a atividade semiológica de importância fundamental para o diagnóstico clínico.

Considerando a importância da psicopatologia na formação básica do psiquiatra e o risco atual do distanciamento das noções originais que serviram de alicerce para a construção do conhecimento psiquiátrico, neste artigo revisaremos algumas noções que julgamos relevantes da magnífica contribuição de Kurt Schneider ao conhecimento clínico em psiquiatria.

A sistemática clínica e a delimitação do conceito de doença

Kurt Schneider nasceu em 1887, tendo ao mesmo tempo estudado Medicina e Filosofia, recebendo, segundo Pichot (5), influência de Max Scheler e Nicolai Hartmann. Em 1931 foi convidado a dirigir a seção clínica do Instituto de Pesquisas de Munique como professor honorário. Durante o período do Nacional Socialismo, recusou vários cargos universitários mantendo-se distante das tendências políticas predominantes no Instituto. Em 1946 foi convidado para a cátedra de Psiquiatria em Heidelberg que ocupou até a sua aposentadoria em 1955.

A obra de Schneider representou a conjugação e o desenvolvimento original das bases clínicas da psiquiatria estabelecida por Kraepelin e da fundamental construção metodológica da psicopatologia Jaspersiana. Os estudos de Schneider foram surgindo sob a forma de monografia, as vezes modificadas nas suas sucessivas edições. Assim, por ordem cronológica destacam-se: As Personalidades Psicopáticas, 1923; As Reações Psíquicas (Vivências) Anormais, 1927; Psicopatologia dos Sentimentos e das Pulsões, 1935; Resultados da Observação do Psiquismo e Diagnóstico Psiquiátrico, 1939. Posteriormente, este e outros escritos foram reunidos num conjunto coerente e sistemático para constituir a Psicopatologia Clínica que Schneider insistia em afirmar não ser um livro de consultas mas sim um pequeno manual. Ao longo de suas várias edições, algumas modificações foram surgindo todavia, a partir da terceira (1950) até a sétima (1966) e última edição, a estrutura geral do manual foi pouco alterada. A primeira tradução para o idioma português (sétima edição alemã) foi editada no Brasil em 1968. O livro é composto por seis capítulos e um anexo que trata da psicopatologia dos sentimentos e das pulsões.

A Psicopatologia Clinica aborda os problemas fundamentais encontrados na prática cotidiana do psiquiatra. Nesse sentido, uma das principais e históricas dificuldades da Psiquiatria têm sido estabelecer uma noção aceitável de doença psiquiátrica e classificar os transtornos mentais.

A classificação de Schneider foi publicada pela primeira vez em 1948 na monografia intitulada “Sistemática Clínica e Conceito de Doença”. Ela se baseia em quatro princípios fundamentais:

  1. Existem duas categorias fundamentalmente diferentes de anomalias psíquicas: as que são variedades anormais do ser psíquico e as que são conseqüência de enfermidades (processo mórbido). Só essas últimas são consideradas doenças.
  2. Não existe transição entre essas duas categorias de anomalias psíquicas.
  3. As doenças psiquiátricas possuem etiologia orgânica demonstrável ou postulada.
  4. As doenças psiquiátricas, e só elas, podem e devem ser classificadas em dois planos: um plano somatológico (etiológico) e outro psicológico (sindrômico).

Baseando-se num dualismo empírico Schneider separa na sua sistemática dois grupos de transtornos mentais. No primeiro estão agrupadas as chamadas variedades anormais do ser psíquico, formando pelas disposições anormais da inteligência, as personalidades anormais e as reações vivenciais anormais. No Segundo grupo estão as anomalias psíquicas, divididas em dois planos: as que compõem o plano somatológico, como por exemplo as intoxicações, malformações cerebrais, infecções entre outras e as que compõem o plano psicológico que são as expressões sindrômicas agudas e crônicas das doenças orgânicas descritas no plano somatológico. Como exemplos desse sub-grupo temos a obnubilação da consciência (aguda), deterioração da personalidade (crônica) acrescidas da ciclotimia e da esquizofrenia. Estas últimas consideradas de etiologia presumivelmente orgânica “mas que no momento só podem ser apreendidas enquanto síndrome “ (8).

Mantendo a tradição clínica da sistemática Kraepeliniana, Schneider separa as psicoses endógenas (aquelas cujas causas somáticas são ainda desconhecidas) das exógenas (termo reservado às enfermidades de etiologia detectável no plano somatológico). Portanto, para Schneider (8), o “conceito cientificamente rigoroso do termo psicose inclui exclusivamente os transtornos mentais pertencentes ao grupo II” ou seja, os que são conseqüências de enfermidades (alterações mórbidas a nível somático). Assim afirma: “o conceito de enfermidade é para nós, principalmente na Psiquiatria, um conceito rigorosamente médico”(6). Desse modo, no que diz respeito à concepção etiopatogênica, Schneider mantém a tradição de escola de Heidelberg (Jaspers, Gruhle, Mayer-Gross) cuja noção de Psicose é a de uma doença endógena do cérebro de causa ainda desconhecida. No grupo das Psicoses endógenas. Schneider prefere falar numa tipologia diferencial entre esquizofrenia e ciclotimia baseado numa abordagem sindrômica puramente descritiva.

Para Schneider, um dos critérios essenciais para o reconhecimento da existência de uma psicose é a presença de certos sintomas que não encontram nenhuma correspondência com a vida psíquica normal do indivíduo. É o caso por exemplo, da percepção delirante, autóctone, primária, ela revela o processo psicótico. Esta presença destrói, no dizer de Schneider Apud Masi (4) “A homogeneidade do desenvolvimento vital, sua coerência, a lógica de sentido inclusa na continuidade desse desenvolvimento.”

Fala-se de percepção delirante quando, sem um motivo racional ou afetivamente compreensível, atribui-se um significado anormal à percepções reais. Este fenômeno, cujo conteúdo é com freqüência autoreferente, representa um modo de interpretação delirante da realidade objetiva externa e compõe o elenco dos chamados sintomas de primeira ordem descritos por Schneider em 1939 e que têm sido considerados ao longo dos anos como de muito valor para o diagnóstico de esquizofrenia (9) (11).

Os sintomas de primeira ordem

Na concepção de Schneider (7) a esquizofrenia é uma doença de origem orgânica que, por enquanto, só pode ser apreendida enquanto síndrome. É na descrição dessa síndrome e na pesquisa de sintomas dotados de especificidade, para o diagnóstico, que reside a originalidade da abordagem Schneideriana. A descrição dos sintomas de primeira ordem (SPO) representa, dessa forma, a tentativa de um clínico experiente de estabelecer critérios puramente sintomáticos para o diagnóstico. Schneider nunca relacionou os SPO com conceitos teóricos que tentam explicar os mecanismos, quer somatológicos, quer psicológicos da doença esquizofrênica.

O elenco de SPO descritos por Schneider constitui espécies anormais de vivências:

  • das percepções e sensações ( sonorização do pensamento, vozes que dialogam entre si, vozes que acompanham a própria ação com comentários e vivências de influência corporal);
  • do pensamento (subtração do pensamento, imposição do pensamento, difusão do pensamento e percepção delirante);
  • e dos sentimentos impulsos e vontade experienciados subjetivamente como impostos.

Distúrbios da percepção e sensações

  • SONORIZAÇÃO DO PENSAMENTO

Neste sintoma, o paciente ouve seu próprio pensamento falado em voz alta. Segundo os autores franceses, este sintoma pode ser desdobrado em dois fenômenos:

  1. a) Anunciação do pensamento; o paciente escuta uma voz e imediatamente tem o sentimento de que essa voz corresponde ao seu próprio pensamento.
  2. b) Eco do pensamento; o paciente escuta uma voz que repete pensamentos que ele teve momentos antes.

Schneider exemplifica: “Uma esquizofrênica responde a pergunta sobre se ouve vozes, “são meus pensamentos que ouço. Eles se fazem ouvir quando há silêncio.” Um esquizofrênico disse: “quando quero pensar alguma coisa, tudo no cérebro se faz ouvir, é como se meus pensamentos fizessem ruído em minha cabeça.”

  • VOZES QUE DIALOGAM ENTRE SI

Neste sintoma, o paciente ouve vozes que conversam ou discutem entre si, falam geralmente sobre o paciente, mas não falam diretamente com ele.

  • VOZES QUE ACOMPANHAM A PRÓPRIA AÇÃO COM COMENTÁRIOS

Neste sintoma, o paciente ouve vozes que descrevem ou comentam suas atividades no momento em que acontecem.

Schneider exemplifica: “uma esquizofrênica ouve quando vai comer : ‘agora vai comer, agora ela já vai devorar de novo… Quando fricciona o cachorro ela ouve o que ela está fazendo? lambuza o cachorro… outra vez ela ouve: ‘agora endireita de novo a janela’…”

  • VIVÊNCIAS DE INFLUÊNCIA CORPORAL

Esses fenômenos são erros sensoriais referentes ao corpo (alucinações cenestésicas), essas vivências de influência são relacionadas, muitas vezes a aparelhos, raios, sugestões, hipnoses, freqüentemente de natureza sexual.

Schneider exemplifica: É como se os braços tivessem sido eletrizados e como se houvesse numa faca no corpo. Uma esquizofrênica com influências elétricas diz: as usinas elétricas do mundo inteiro estão sintonizados em mim. Uma outra, fala das sensações em seu corpo: eram como quando se tem relação com um homem, não foi, porém, na realidade, não havia homem nenhum, eu estava lá sozinha, como se o homem estivesse comigo. Sabe quando se tem realmente relações com um homem? é isso que eu sinto.

Distúrbio do pensamento

  • SUBTRAÇÃO OU ROUBO DO PENSAMENTO

Este sintoma e os dois que se seguem representam alteracões qualitativas no processo do pensamento e não são susceptíveis de descrição mais detalhada. Aqui, o paciente tem a impressão de que seus pensamentos são removidos de sua cabeça. Só se deve admitir este sintoma como esquizofrênico quando a paciente conta que outras pessoas lhe arrancam ou roubam o pensamento. Schneider fala na interceptação do pensamento, que ocorre nos esquizofrênicos, como uma expressão da subtração, embora diga que se deve ter muito cuidado ao se julgar esses casos.

  • IMPOSIÇÃO DO PENSAMENTO

Neste sintoma, o paciente tem uma experiência subjetiva de que seus pensamento não são seus próprios, como se eles fossem colocados na sua cabeça por uma força externa.

Schneider exemplifica os dois sintomas precedentes: “Uma costureira esquizofrênica queixava-se de ser, muitas vezes, forçada a fazer algo errado. Como experimentada costureira de camisas; sabia muito bem o tamanho exato de um colarinho, no entanto, quando se põe a trabalhar, de repente não sabe mais as medidas mas não se trata de um simples esquecimento. chegam-lhe pensamentos que não deseja, até mesmo pensamentos maus. Tudo isso ela atribui ao hipnotismo de um certo capelão”.

  • DIFUSÃO DO PENSAMENTO

Neste sintoma, o paciente experimenta seus pensamentos sendo magicamente transmitidos para outros, convencido que os outros conhecem seus pensamentos e que deles participam direta ou indiretamente.

Schneider exemplifica: “uma difusão de pensamento é descrita por uma esquizofrênica, proprietária de um comércio, da seguinte maneira: As pessoas percebem o que eu penso. O senhor não pode me enganar, é assim mesmo, eu simplesmente o sinto. Vejo no semblante das pessoas. Não seria lá tão ruim, se não pensasse coisas tão indevidas como “porco”, ou outro insulto qualquer. Quando penso alguma coisa, quem está distante de mim logo sabe. É realmente para se ter vergonha.

  • PERCEPÇÃO DELIRANTE

Este sintoma se caracteriza em se atribuir a percepções reais, sem motivo emocional ou racionalmente compreensível, um significado anormal. Este significado é de natureza particular, é importante, enérgico e pessoal, como uma mensagem do outro mundo, ou um sinal. Distinguem-se duas etapas sucessivas, a primeira, uma percepção normal e a segunda a significação patológica atribuída pelo paciente à sua percepção. Essas não precisam ser visuais, também uma palavra, frase, um odor ou qualquer outra percepção pode ganhar um significado anormal. É necessário diferenciar a percepção delirante de certos significados das reações paranóides que podem ocorrer, inclusive em esquizofrênicos, mas que são compreensíveis em função de uma certa disposição de humor, em razão de medo, desconfiança ou suspeita.

Schneider exemplifica: “um cão na escadaria do convento de freiras me espreitava em posição ereta. Olhou-me sério e levantou uma das patas dianteiras quando cheguei perto, ocasionalmente seguia, uns metros à minha frete, o mesmo caminho, um outro homem que rapidamente alcancei e perguntei logo se o cão tinha-lhe apresentado a pata. Um não admirado do cidadão deu-me a certeza de que aqui eu tinha a ver com uma clara revelação”.

  • DISTÚRBIOS DO SENTIMENTO, IMPULSO E VONTADE

Nestes sintomas, o paciente tem a experiência subjetiva de que seus sentimentos impulsos e vontade são feitos, influenciados dirigidos ou impostos, por outra pessoa. Como explicações, apresentadas, muitas vezes, a sugestão, a possessão, a hipnose ou atuações equipamentos.

Para Schneider, se não houver dúvidas quanto à presença de um desses sintomas, na ausência de enfermidade somática constatável, falar-se-a clinicamente, com toda prudência, de esquizofrenia. A presença dos SPO não é obrigatória para o diagnóstico além de que, eles podem estar presentes em outras condições psiquiátricas.

Com Kurt Schneider a psicopatologia descritiva, de inspiração fenomenológica, transforma-se em psicopatologia clínica, perdendo sua neutralidade nosológica. Para Schneider o diagnóstico é fundamental e sua descrição dos quadros psicopatológicos clínicos são caracterizados por uma conjugação inimitável de ordem dialética, de experiência tipológica e de uma arte disciplinada da descrição clínica, que o qualifica como o último clássico da Psiquiatria (2).

A “Psicopatologia Clínica” é uma síntese do pensamento psiquiátrico de Kurt Schneider. A importância desta obra, pautada no rigor do conhecimento cientifico, na precisão dos conceitos e no valor de suas múltiplas abordagens a credenciam como uma leitura fundamental, sobretudo para o psiquiatra em formação.

Referências

  1. Andreasen, N.C. & Akiskal, H.S. – The specificity of bleulerian and schneiderian symptoms: a critical reevaluation. Psychiat Cli North American. 6:41-54, 1983.
  2. Kisker, K.P. – Kurt Schneider. Nervenarzt, 39:97-98, 1968.
  3. Lopes Jr., L. – Diagnóstico em Psiquiatria. Editora Cultura Médica, Rio de Janeiro, 1980.
  4. Masi, C. – Psychopathologie Allemande de la Schizophrenie. Memoire pour le C.E.S de Psychiatrie, Paris, 1978.
  5. Pichot, P. – Un Siècle de Psychiatrie.Ed. Roger Dacosta, Laboratoire Roche, Paris, 1983.
  6. Schneider, K. – Problemas de Patopsicologia y de Psiquiatria Clínica. Ediciones Morata, Madrid, 1947.
  7. Schneider, K. – Que se entiende hoy por esquizofrenia?. In Ibor, L – Symposium sobre esquizofrenia. Consejo Superior de Investigaciones Cientificas, Ed. Madrid, 1957.
  8. Schneider, K. – Psicopatologia Clínica. Ed. Mestre Jou, São Paulo, 1968.
  9. Sougey, E.B.; Carvalho, T.F.R.; Bandin, J.M. & Albuquerque, J.O.M. – Freqüência dos sintomas de primeira ordem de Kurt Schneider numa população de esquizofrênicos do Nordeste Brasileiro. Rev ABP- APAL. 9(4):151-156,1987.
  • Sougey, E.B. – Sintomas de primeira ordem de Kurt Schneider e o diagnóstico de esquizofrenia. Rev Brasileira Saúde. 2:15-18,1988.
  • Tandon, R. & Greden, J.F. – Schneiderian First Rank Symptoms: recomfirmation of high specificity for schizophrenia. Acta Psychiat Scand. 75:392.396, 1987.
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Depressão tem cura

Diário do Grande ABC

Diário do Grande ABC

Publicado em terça-feira, 6 de março de 2001 às 18:00

Daniela Rocha  do Diário OnLine

Entrar em depressão não é exatamente resultado de perda de ente querido, de namorado ou qualquer outra sensação de tristeza que faz parte do cotidiano. Estar deprimido é ser acometido por sentimentos persistentes de tristeza, crises de choro, perda de interesse por atividades preferidas, pensamentos de morte, entre outros sintomas. A depressão não é causada por fatores externos e requer tratamento médico, pois é classificada como doença. Se você não anda bem e acredita que se encaixa neste perfil, tire suas dúvidas no site Depressão.
De acordo com informações da página, as mulheres são duas vezes mais afetadas pela doença que os homens. A maior parte dos pacientes deprimidos que não são tratados tenta cometer suicídio pelo menos uma vez. Cerca de 17% deles conseguem se matar. Isso dá uma idéia de como a doença é grave. Mas não é para desanimar, se é que você já não perdeu o animo há tempos. O tratamento correto se mostra eficaz para 70 a 90% dos pacientes.

A página apresenta algumas possibilidades de tratamento para o caso, além de dar um panorama sobre as fases do processo de cura. Algumas informações chegam a assustar como, por exemplo, a de que um episódio de depressão maior pode durar de 6 a 12 meses. Depois desse período, a pessoa costuma a recobrar suas atividades e seu comportamento. E é aí que está o perigo. Acha-se que o problema passou, mas ele pode voltar mais grave e se tornar crônico.

O site também trata da depressão típica de crianças e jovens. Mediante pagamento, suas dúvidas podem ser respondidas pelo psiquiatra Tárcio Carvalho no Psiquiatria-On-line. Não deixe para amanhã!

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Doentes por tecnologia

Jornal da Globo

Jornal da Globo

 Edição do dia 20/04/2006

Os médicos identificaram um transtorno entre pessoas que não conseguem viver sem o computador e o celular

Eles confessam: são loucos por tecnologia. Trabalhar com o computador não basta. Quando chegam em casa, eles continuam o expediente no mundo virtual.”12,13 horas por dia. sempre que eu posso estou conectado à Internet, se eu estou em casa, sempre estou com o computador ligado, conectado à Internet”, afirma o administrador de sistemas Thiago Lins. “É uma coisa constante, sempre checando e-mail no trabalho e fora do trabalho, principalmente”, concorda a engenheira Alexandra Albuquerque. Cada um tem um arsenal tecnológico ao alcance da mão. “Eu comprei agora um cabo pra ligar o celular no lap top. Então, por exemplo, se eu estou num lugar que eu não tenho uma rede de cabo, eu posso ligar o lap top e me conectar à rede”, diz o designer Luís Eduardo Cajueiro.E sempre querem as últimas novidades, custe o sacrifício que custar. “Eu já cheguei a pedir empréstimo no banco pra poder comprar um celular novo com câmera”, conta Thiago.

Se você também não consegue se desligar do mundo virtual, não vive sem o celular e está cada vez mais dependente da tecnologia – é hora de se conectar a uma preocupação real: você pode ser mais uma vítima da dependência tecnológica que ganhou nome e a atenção dos especialistas. O nome é tecnoestresse .”O estresse provocado pela tecnologia, ele traz diversos sintomas. Um deles seria a dependência”, diz a psicóloga Ana Lúcia Sandres. “Os sintomas são do tipo ansiedade, as pessoas ficam muito angustiadas quando ficam sem ter acesso ao computador para ver e-mails, para entrar em orkut, para se comunicar com outras pessoas… Ou estão longe do seu aparelho celular”, completa o médico psiquiatra Tárcio Carvalho. “Eu acho que todo mundo é um poquinho dependente”, acredita Eduardo. Mas para Carvalho, a sociedade ainda não percebeu quando isso começa a provocar dano para as pessoas. “Olha, isso já passou a ser uma epidemia”, ele diz.Thiago diz que jamais faria um tratamento para reduzir essa dependência. “Eu realmente gosto de tecnologia. É muito bom”, justifica.

“As pessoas vão perdendo as relações interpessoais, os trabalhos de grupo, a vida prática, a vida com a própria família, o lazer… tudo isso fica comprometido”, diz Sandres.

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Um Divã na Internet

Por: Vilma Homero – para o site PlanetaVida

RIO DE JANEIRO – De um lado, o paciente que, na solidão de seu próprio quarto, tecla os problemas no computador. Do outro, um psicoterapeuta responde. Pelo ICQ, está em curso um tratamento terapêutico. Sinal dos novos tempos. Depois dos serviços bancários, das compras, das buscas de material de pesquisa e dos chats, já se pode também tratar neuroses e questões emocionais pela Internet.

Há quem questione a validade desse tipo de tratamento, acusando-o justamente de ser virtual demais. Mas há quem não veja diferenças fundamentais entre o que é tratado entre as quatro paredes de um consultório e pela Internet. Enquanto isso, cada vez mais internautas descobrem o mundo psi. Segundo pesquisa feita no site da Abrapsmol, sigla para Associação Brasileira de Profissionais de Saúde On Line (sim, já existe uma associação para isso), o pessoal que navega pela rede não chega a estranhar. Num universo de 127 pessoas, a maioria delas do sexo feminino (61%), entre 30 e 45 anos, declarou que usaria o computador para fazer terapia (77%). E 52% dos que responderam à enquete acham que a Internet é somente uma ferramenta a mais de tratamento.

A criação da associação, por sinal, surgiu tanto da necessidade de se regulamentar a atividade, que hoje é exercida por um número enorme de profissionais, quanto para se contrapor ao Conselho Federal de Psicologia, que proíbe seus membros de atender pacientes on line. O site tem uma média de dois mil acessos mensais e reúne atualmente 12 profissionais, entre psicólogos, psiquiatras e psicanalistas.

A associação também se preocupa em promover cursos de capacitação em informática aos terapeutas. Enquanto isso, o Conselho Federal de Psicologia procura regulamentar a prática, considerando que o atendimento virtual deve ser visto como pesquisa, ainda sem comprovação de sua eficácia terapêutica.

Responsabilidade de profissional deve ser a mesma do consultório

A psicóloga e psicodramatista Márcia Homem de Mello contesta. Não é de hoje que vem usando a Internet. Pioneira, usuária desde o tempo em que os provedores se chamavam BBS, para ela, foi quase um caminho natural unir o trabalho de consultório ao computador. Hoje, em seu site pessoal, ela responde cerca de 30 e-mails por dia, de perguntas de estudantes, dúvidas em geral e gente que usa a correspondência eletrônica como forma de catarse para problemas pessoais.

“A terapia on line realmente funciona e tem resultados expressivos no sentido positivo. As restrições ficam por conta de clientes que precisem de um acompanhamento mais especializado, como medicação. E cada profissional precisa ter a mesma responsabilidade que tem no consultório”, avalia a psicóloga, que atualmente preside a Abrapsmol.

Para separar os que pretendem se submeter seriamente a um processo terapêutico dos que entram apenas por curiosidade, a psicóloga marca hora para uma entrevista pelo ICQ, e envia, por e-mail, um questionário em que pede dados pessoais e pergunta sobre os conflitos que se quer tratar. Depois de uma sessão gratuita, para dar continuidade ao tratamento, é preciso ter prestado todas estas informações. E pagar pela sessão, o que, segundo explica, também serve como uma forma de definir a seriedade do trabalho e marcar o compromisso.

Mentir, passar informações fantasiosas, ou mesmo tentar enganar o terapeuta, segundo Márcia, também não cola. “Nossas mentiras, os personagens que criamos, ou nossas fantasias também falam muito de como somos e quem somos. A psicóloga também não atende adolescentes, embora a procura seja grande. Só com autorização dos pais. E como nem sempre se pode confiar que a autorização apresentada seja verdadeira, para os jovens só um aconselhamento rápido, por e-mail.

Atendimento on line seria mais útil como terapia breve

Segundo Homem de Mello, o atendimento virtual tem um perfil para ser mais utilizado como terapia breve. Mas nada impede que os tratamentos de maior duração também possam acontecer. Opinião partilhada pelo psiquiatra Tárcio de Carvalho, professor da Universidade Federal de Pernambuco, que divide suas atividades entre consultório, aulas e computador, e ainda se empenha em realizar uma pesquisa que avalie os prós e contras da novidade.

“Também é preciso identificar os casos que necessitam de encaminhamento a um atendimento face to face”, diz o médico, responsável pelo site Hospital Virtual, onde oferece informações e respostas a dúvidas sobre saúde mental, e o Psiquiatria On Line, em que faz atendimentos.

Embora os estudos do Dr. Tárcio ainda estejam no começo, ele acredita que uma das características da Internet é propiciar uma sensação de anonimato em que os pacientes se sentem bem mais à vontade para contar seus mais íntimos segredos. O que termina revelando mais um dado: grande parte dos que procuram terapia na Internet relata problemas da sexualidade. “Diante do computador, estas pessoas acham que podem falar sem segredos, contam coisas que talvez não tivessem coragem de dizer frente a frente, num consultório”, endossa a Dra. Homem de Mello.

Ausência de presença física é grande impecilho

Para a psicanalista Luli Milman, este tipo de psicoterapia, entretanto, peca por uma limitação básica: a ausência de presença física. “Terapia subentende estar de corpo presente, tanto a voz quanto o gestual são fundamentais para o processo. O filósofo francês Jean-Paul Sartre não dizia que o inferno são os outros? Pois é exatamente isto. O problema são as questões que os outros nos trazem, nossas relações com o mundo. Se o anonimato que o on line propicia favorece a abordagem de questões mais íntimas, ajuda no efeito catártico, por outro lado, sem o limite da presença do outro, não há como trabalhar as questões levantadas, reconstruir e buscar outras respostas”, pondera.

A psicanalista, no entanto, acredita que a tendência, de certa forma, é um tanto inevitável. Para não interromper o atendimento de pacientes que estavam em momentos de crise, mas precisaram viajar, Milman não hesitou em recorrer ao e-mail. Recorreu, sim. Mas ressalta. “Só entendo o uso da Internet em situações excepcionais, em que se precisa manter o vínculo terapêutico. E assim mesmo, por períodos breves”, diz.

É o que pensa a psicóloga Lúcia Bello, que acredita que toda esta discussão ainda está no começo. Ela bate na tecla de que, sem a presença física, fica faltando uma série de pressupostos básicos do tratamento. “Na verdade, não se estabelece uma relação, não há manifestação de sentimentos”, diz. Embora admita não ter ainda uma opinião fechada sobre o assunto, Lucia acha tudo muito discutível. “Atendimento é outra coisa.”


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Divã Virtual na guerra à depressão

Por: Humberto Rezende – Correio Brasiliense – 27/09/98

É cada vez maior o número de pessoas que recorrem à Internet para expor dramas íntimos para especialistas ou curiosos

Nada de ficar em casa deprimido, achando que as “desgraças” que lhe cercam só acontecem mesmo com você. Hoje, graças ao acesso à Internet, é fácil descobrir que outras pessoas, em várias partes do mundo, entendem perfeitamente o que você está sentindo. E melhor: você já pode encontrar várias formas de auxílio por meio da rede mundial de computadores.

Protegida por um pseudônimo, uma mulher conta como foi o fim de seu casamento. Diz que está deprimida e às vezes sente que não tem mais vontade de viver. Logo, outros pseudônimos e nomes, que ninguém pode garantir se são verdadeiros, se manifestam para apoiá-la. Histórias semelhantes. Mas com final feliz, surgem na tela do computador.

O encontro certamente se estenderá por horas. Trata-se de uma de inúmeras salas de chat (conversa) temáticas disponíveis na Internet. Nelas, pessoas trocam mensagens escritas e visualizam no seu micro o que os outros participantes escrevem.

Abertas para receber pessoas conectadas e que queiram discutir determinado assunto, hoje existem salas de apoios para os mais variados problemas. Dependentes químicos, alcoólatras, pessoas deprimidas, vítimas de racismo, esquizofrênicos. Sem precisar se identificar, os participantes se sentem livres para dividir os dramas pessoais.

“Esse é apenas um dos tipos de apoio que as pessoas podem encontrar na Internet”, diz o psiquiatra de Pernambuco Tárcio Carvalho. Ele mantém, desde 1996, uma página chamada Depressão On Line, onde as pessoas encontram artigos sobre a doença e quais os seus sintomas.

Existe também uma relação de médicos em vários estados brasileiros para os quais os internautas podem enviar e-mails (correios eletrônicos) e outras páginas a serem visitadas. Até testes para verificar se a pessoa tem sinais de depressão podem ser feitos.

“O uso dessa tecnologia traz a possibilidade de conhecimento sobre a depressão e quais os tipos de tratamento. Atendo pessoas que nem sabiam que depressão é uma doença. Outras que nunca procurariam um psiquiatra, por acreditar tratar-se de médico de loucos, revela Tarcio.

Ele diz que deve começar a cobrar pelas consultas que presta para reduzir o número de pessoas que passaram a enviar-lhe e-mails. Na página, Tárcio pode indicar especialistas na cidade onde a pessoa mora, responder dúvidas sobre doenças mentais ou dar conselhos. “Mas agora, com o apoio do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) e a Universidade Federal de Pernambuco, estamos criando uma equipe para atender gratuitamente, a partir do mês que vem”, antecipa.

Bate-papo contra a solidão

Frequentadora das salas de chat há cerca de um ano e meio, a psicóloga Márcia Homem de Mello, de São Paulo, está convencida de que um grande número de pessoas procuram a Internet para fugir da solidão. “Já encontrei uma mulher que dizia estar disposta a se matar. Fiquei mais de duas horas conversando com ela”, recorda-se.

Por isso acredita que os psicólogos têm na Internet um valioso instrumento que os permitirá ajudar ainda mais as pessoas. Ela realiza uma pesquisa que tenta mostrar o motivo por que as pessoas entram nas salas de conversação virtuais. Em página criada por ela, qualquer um pode responder a um questionário que inclui perguntas sobre dados pessoais e as razões que a levam a acessar a Internet.

Márcia já recebeu mais de 200 respostas, mas afirma que ainda é muito cedo para tirar conclusões . E não só pelo número de e-mails recebidos. “Eu terei de analisar as respostas, pois acho que as pessoas podem não estar sendo muito sinceras”, explica.

Seu objetivo é criar uma página em que pudesse induzir pessoas à terapia. Para ela, muitos desses usuários que se sentem sozinhos deixam de procurar um terapeuta por preconceito. “Eles poderiam tomar consciência do que é uma terapia pela Internet e serem motivados a procurar ajuda de um psicólogo.” Mas antes de pôr em prática a idéia, Márcia que verificar quais as implicações éticas que a envolvem.

A Internet trouxe nova forma de relacionamento entre as pessoas. E as possibilidades e riscos sobre seu uso pela Psicologia começam a ser debatidos no mundo todo. Atento ao assunto, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) promoverá entre os dias 21 e 24 de Outubro, em São Paulo, o Psicoinfo – A Psicologia na Era das Novas Tecnologias. No encontro, será discutido o uso da Internet por psicólogos.

O debate já vem acontecendo no exterior, principalmente nos Estados Unidos e no Canadá, desde que começaram a surgir sites que ofereciam a possibilidade de as pessoas fazerem terapia pelo computador. Um dos mais conhecidos é o Pychotherapy On Line, Criado pela psicoterapeuta norte-americana Adriane St. Clare.

Eficácia

Na página, Adriane admite que não há comprovação sobre a eficácia dessa terapia. Mas defende seu uso baseada nos resultados obtidos e nas vantagens do método para pessoas que moram em cidades onde não há especialista.

“Nesses caso até que se justificaria. Mas essas páginas só servem para tirar dinheiro das pessoas”, acusa o neurologista Renato Sabbatini, do Núcleo de Informática Biomédica da Universidade de Campinas. Ele é criador do Hospital Virtual, um site onde médicos e estudantes de medicina trocam informações.

Não que seja contra esse serviços. O psiquiatra pernambucano Tarcio Aguiar, por exemplo, é o coordenador de Psiquiatria do Hospital Virtual. Sabbatini explica que há diferença entre oferecer conselhos gerais e desenvolver um processo terapêutico.

“Existem questões éticas muito sérias sobre isso. Se um psicólogo de Pernambuco não pode atender em São Paulo sem autorização do Conselho Regional, o que dizer então da Internet, onde você pode atender pessoas em qualquer lugar do mundo, como faz essa americana?”, questiona.

 

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Iatrogenia dos Medicamentos

Everton Botelho Sougey *

Tárcio Fábio Ramos de Carvalho **

Resumo:

Os autores realizaram uma revisão sobre os principais fatores relacionados com iatrogenia medicamentosa. Após uma breve introdução conceitual, comentam que pode ocorrer este tipo de iatrogenia quando: 1) a prescrição é estranha à relação terapêutica; 2) está em desacordo com o diagnóstico clínico; 3) as doses ou a duração do tratamento são inadequadas; 4) ocorre efeitos indesejáveis danosos, sobretudo os inesperados; 5) há morbidade e/ou mortalidade e 6) ocorre interações prejudiciais. Discutem a dimensão do problema e sugerem que melhora na formação profissional, implemento de programas de uso racional de medicamentos, fiscalização e vigilância sanitária, notificação compulsória de efeitos colaterais, entre outras são medidas que podem diminuir a incidência da doença iatrogênica provocada pelos medicamentos.

Unitermos: Iatrogenia, Medicamentos, Farmacovigilância.

Summary:

The authors made a revision about the means points that have relation with the iatrogenic medication. After a small conceptual introduction, they describes that this kind of iatrogenia happen when: 1) the prescription is strange to the therapeutic relationship; 2) There is a disagree with the clinical diagnostic; 3) the dose or treatment duration are wrong; 5) there is mobidity o mortality and 6) there is bad drug interaction. The authors explain the dimension of the problem and recommend improve the professional formation, implementation of programs of rational use of medications, sanitary fiscalization, compusory notification of colateral effects,

* Prof. Adjunto-Doutor do Departamento de Neuropsiquiatria da Universidade Federal de Pernambuco

** Prof. Participante-Doutor do Mestrado em Neuropsiquiatria da Universidade Federal de Pernambuco

Um tratamento farmacológico é considerado racional quando atende à critérios de indicação, dose e manutenção na ausência ou com mínimos efeitos indesejáveis.

É provável que até o princípio do séc. XX, a maioria dos benefícios atingidos com o uso de medicamentos era fundamentalmente decorrente de feitos pouco específicos. A escolha do medicamento não era um processo tão complexo e não envolvia a avaliação de tantas variáveis como nos dias atuais.

Com o desenvolvimento industrial, que possibilitou a produção de novos fármacos por processos de síntese química e fermentativos, observou-se o surgimento de efeitos mais específicos para diversas especialidades farmacêuticas. Após a segunda guerra mundial houve um grande desenvolvimento da nova tecnologia e com ele o surgimento das grandes industrias farmacêuticas, sobretudo nos Estados Unidos da América e na Europa.

Pode-se supor que, efeitos danosos para a saúde produzidos pelos medicamentos são tão antigos quanto a própria história, Contudo, os primeiros inquéritos formais da época contemporânea sobre problema de segurança envolvendo medicamentos datam do final do século passado, quando se formou uma comissão para investigar as mortes súbitas ocorridas em pacientes anestesiados com clorofórmio (Capella e Laporte, 1989). A notificação das mortes produzidas devido ao emprego do dietilenoglicol como solvente de um xarope de sulfanilamida nos Estados Unidos da América, ocorrida nos anos trinta e a trágica epidemia de focomelia e outras malformações produzidas pelo hipnosedativo talidomida, identificada no início dos anos sessenta, foram os fatos que mais contribuíram para o estudo e o controle de iatrogenia produzida por medicamento (Lenz, 1984).

Segundo a Organização Mundial de Saúde, (1972), define-se como reação adversa produzida por um medicamento a “qualquer efeito prejudicial ou indesejável que se apresente após a administração das doses normalmente utilizadas no homem para a profilaxia, o diagnóstico e o tratamento de uma enfermidade”. Considera-se que os termos “reação adversa”, “efeito indesejável” e “doença iatrogênica” são equivalentes e respondem à definição anterior.

Para Bastos (1981), a introdução da expressão “doença iatrogênica” deve-se a Eugen Bleuler, publicado no Glossário Médico Germânico, que procurava definir originalmente “os transtornos psiquiátricos provocados no paciente pelas atitudes dos médicos ou da enfermagem”. A evolução do conceito abrange nos dias de hoje, toda doença produzida direta ou indiretamente pela conduta propedêutica, terapêutica ou preventiva do médico ou equipe de saúde sobre o paciente ou seus familiares. Portanto, no que tange especificamente ao ato médico, a doença iatrogênica tem implicações diretas com os preceitos do Código de Ética Médica que nos seus Princípios Fundamentais (art. 2o) define que “o alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional”… No que diz respeito a Responsabilidade Profissional, o Código de Ética adverte (art. 29) que é vedado ao médico: “praticar atos profissionais danosos ao paciente, que possam ser caracterizados como imperícia, imprudência ou negligência”. (Conselho Federal de Medicina, 1990). O erro médico enquadra-se no Código Penal, que no seu artigo 132 propõe pena de “detenção de três anos a um ano, se o caso não constitui crime mais grave ao se expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto ou iminente.

Os medicamentos constituem um elemento com características especiais no contexto global da medicina pelo papel que desempenham como parte da assistência médica e pelo modo como são utilizados nessa prática. No presente trabalho, a título de revisão, descreveremos os principais fatores relacionados com os efeitos nocivos do uso agudo e crônico dos tratamentos farmacológicos no conjunto da população ou em subgrupos de pacientes expostos a tratamentos específicos.

FATORES RELACIONADOS COM IATROGENIA MEDICAMENTOSA

1. Prescrição Estranha à Relação Terapêutica

O tratamento farmacológico, a prescrição de um ou mais medicamentos ocorre como conseqüência de um diagnóstico médico. Este diagnóstico é obtido através de uma seqüência de procedimentos que constitui o método clínico, baseado na colheita de dados de dados da anamnese, no exame do paciente e nos subsídios dos exames complementares. Na consulta médica, estes procedimentos estão baseados na comunicação que se estabelece entre o médico e o seu paciente. A este respeito , Balint (1975), afirma com muita propriedade que “a droga mais freqüentemente usada na prática médica é o próprio médico”.

Sabe-se que inúmeros fatores podem interferir iatrogenicamente no relacionamento médico-paciente, sobretudo aqueles que dizem respeito a formação do profissional, às condições de trabalho do local da consulta e aos perfis de personalidade dos protagonistas desse encontro.

Discutindo a consulta médica do ponto de vista sócio-psicossomático Pontes e col. (1986), afirmam que “todos os atos do homem ocorrem correlatamente nas três áreas do seu existir: corpo, mente e mundo externo”. É comum, muitos pacientes apresentarem fantasias em relação ao médico, ao medicamento e à própria evolução do tratamento. Os pacientes devem portanto, ser esclarecidos sobre as características e objetivos do tratamento, informados sobre os possíveis efeitos indesejáveis, o modo de ação do medicamento e sobretudo sobre as razões que motivaram aquela prescrição. O médico deve estar sensível as várias formas de comunicação dos seus pacientes e com atenção e perspicácia deve procurar transmitir que a sua prescrição está integrada a um contexto que inclui uma atitude de escuta e compreensão de como o paciente está vivenciando a sua enfermidade.

2. Erro Diagnóstico

O diagnóstico é a área mais complexa de decisão médica, pois depende da análise de um grande número de informações das mais variadas fontes e diferentes naturezas, como também envolve raciocínio simultâneo de processos lógicos e probabilísticos.

O diagnóstico precede ao tratamento, fornece dados para escolha do fármaco que melhor se adapta às características clínicas do paciente e estabelece os fundamentos para o planejamento terapêutico. Erros diagnósticos são as causas mais freqüentes do insucesso terapêutico e iatrogenia medicamentosa.

Alguns fatores que dificultam a obtenção de um diagnóstico clínico fidedigno podem ser encontrados na identificação deficiente da fase evolutiva da doença, nos cavalgamentos sindrômicos com outras condições médicas associadas, na presença de estressores psicossociais, e no modo do paciente reagir a sua enfermidade (componente subjetivo).

É compreensível que, premido pelo desconforto produzido pelos sintomas e pela condição de enfermo, o paciente esteja ansioso por uma solução rápida para o seu problema de doença. É necessário muita prudência; o médico deve evitar promessas ou afirmações prematuras sobre o diagnóstico, ao mesmo tempo em que deve fazer o paciente participar das etapas de investigação e planejamento terapêutico.

3. Doses ou Duração Inadequadas

O estabelecimento de doses terapêuticas de um determinado fármaco a partir dos ensaios clínicos, constitui, na maioria das vezes, uma faixa segura em relação à eficácia e a ocorrência de efeitos indesejáveis. É importante destacar, como afirmou Zanini e Oga (1985) que, “a potência do medicamento não é fundamentada unicamente na quantidade do princípio ativo presente em dada formulação”. Segundo estes autores, muitos fatores biofarmacêuticos como: a) forma e estado físico do princípio ativo; b) tipos dos excipientes utilizados; c) processos empregados em sua fabricação e d) formulação empregada, podem produzir variações na resposta terapêutica. Por outro lado, existem fatores que dizem respeito aos pacientes como: a) doença associada; b) características metabólicas; c) hábitos dietéticos; d) nível de adesão ao tratamento, que também interferem na resposta ao medicamento.

Doses insuficientes podem ser tão iatrogênicas quanto as superdosagens. Este fato é demonstrado em vários estudos ( Kotin e col. 1973; Remick e col. 1986; Schaartzberj e col. 1986; Maciel e col. 1978) que confirmam, por exemplo, a relação entre tratamentos utilizando doses insuficientes de antidepressivos e o surgimento de depressão refratária (Sougey, 1988). No que tange ao uso irracional de antibióticos é amplamente demonstrado sua relação com o aparecimento de resistência bacteriana (Sansonetti, 1982). Manutenção irregular por tempo insuficiente ou excessivo pode provocar efeitos graves em tratamentos de enfermidades crônicas como osteoporose (Gil-Antuñano, 1993), câncer (Ramirez, 1984), hipertensão arterial (Queiroz, 1985) e muitas outras.

Em síntese pode-se afirmar que para todas as classes de medicamentos, doses e manutenção inadequadas significam dano ao paciente e portanto indução de efeito iatrogênico.

4. Efeitos indesejáveis, sobretudo os inesperados

Diversos estudos hospitalares demonstraram que entre 5 e 6% das internações ocorrem por conseqüência de efeitos indesejáveis e que, entre os pacientes hospitalizados, 10 a 20% sofreram alguma reação adversa. De um modo geral estima-se que cerca de 40% dos pacientes experimentaram efeitos indesejáveis produzidos por medicamentos (Davies, 1985).

Nem sempre é consensual uma classificação dos principais efeitos indesejáveis dos medicamentos. Existe uma multiplicidade de termos, freqüentemente mal utilizados que podem dar margem à confusão. Uma classificação descrita por Cappela e Laporte (1989) nos parece útil pois facilita a compreensão dos principais mecanismos pelos quais eles ocorrem:

a) Superdosagem relativa, quando um fármaco é administrado em doses habituais mas apesar disso suas concentrações são superiores às habituais.

b) Efeitos colaterais, são inerentes a própria ação farmacológica do medicamento, porém cujo aparecimento é indesejável num momento determinado de sua aplicação.

c) Efeitos secundários, são os devidos não a ação farmacológica principal do medicamento, mas as suas conseqüências.

d) Idiossincrasia, trata-se de uma sensibilidade peculiar a um determinado produto, motivado pela estrutura singular de algum sistema enzimático. Considera-se que as respostas idiossincrásicas se devem ao polimorfismo genético.

e) Hipersensibilidade alérgica, são reações do sistema imunológico de intensidade claramente não relacionada com a dose administrada. Para sua produção é necessária a sensibilização prévia do indivíduo.

f) Tolerância, é aquele fenômeno pelo qual em caso de administração repetida, contínua ou crônica de um fármaco ou droga na mesma dose diminui progressivamente a intensidade dos efeitos. Dessa forma é necessário aumentar progressivamente a dose para poder manter os efeitos na mesma intensidade.

Uma outra classificação proposta por Rawlins e Thompson (1985) tem sido considerada de maior aplicabilidade clínica e epidemiológica. Segundo os autores, as reações adversas produzidas por medicamentos poderiam subdividir-se em dois grandes grupos: a) as que são efeitos farmacológicos normais porém aumentados (de tipo A ou “augmented”) e as que são efeitos farmacológicos totalmente anormais ou inesperados (tipo B ou “bizarre”).

As reações de tipo A, por exemplo, a bradicardia produzida por beta bloqueadores adrenérgicos são efeitos previsíveis, geralmente dependem da dose e apesar de apresentarem elevada incidência e morbidade na comunidade, sua letalidade é usualmente baixa.

As reações do tipo B, são efeitos totalmente aberrantes e inesperados. A hipertemia maligna por anestésicos e a grande maioria das reações de hipersensibilidade alérgica são deste grupo. Essas reações não costumam ocorrer nas provas toxicológicas pré-clínicas e mesmo que sua incidência seja baixa sua letalidade é muito mais alta.

5. Morbidade e/ou mortalidade

Ainda que em geral os efeitos indesejáveis sejam de caráter leve ou moderado, não se pode esquecer que também podem produzir morte ou podem ser responsáveis por lesões irreversíveis. Em 1961 a descoberta de que a talidomida causava malformações congênitas das extremidades constituiu uma trágica ilustração das graves conseqüências que pode chegar a ter a ingestão de medicamentos.

Na melhor das hipóteses quando um fármaco é comercializado são conhecidos os seguintes elementos: a) características físicoquímicas; b) perfil de atividades farmacológicas sobre modelos experimentais in vitro e in vivo; c) perfil de toxicidade experimental aguda, subaguda e crônica; d) farmacocinética em animais de laboratório e na espécie humana e e) atividade farmacológica e seus efeitos farmacológicos no homem. Dispõe-se, além disso, de dados de toxicidade aguda (e às vezes, crônica) na espécie humana e de dados comparativos com outras alternativas terapêuticas. Outras informações dizem respeito à eficácia terapêutica real, comparada à eficácia farmacológica avaliada em ensaios clínicos. No entanto, como afirmam Carné e Laporte (1989), “dificilmente é possível conhecer o perfil de reações adversas raras após a fase III da investigação farmacológica clínica”.

Efeitos indesejáveis raros, sobretudo aqueles que aparecem após um tratamento prolongado ou muito tempo após de suspendê-lo, ou ainda aqueles que aparecem em subgrupos específicos da população, não são habitualmente detectáveis. Essas limitações impedem que os ensaios clínicos identifiquem esses efeitos antes da comercialização do medicamento. Após sua comercialização, o produto começa a ser administrado a dezenas de milhares e mesmo a milhões de pessoas, sem distinção de idade, junto com outros medicamentos e convenhamos, em condições de seguimento menos rigorosa. É então quanto a descoberta de um novo efeito indesejável, especialmente se ele apresenta certa gravidade, depende da observação do médico.

6. Interações Danosas

Prescrições que associam medicamentos objetivam geralmente potencializar o efeito terapêutico, corrigir possíveis efeitos indesejáveis, prevenir resistência e ampliar os mecanismos de ação terapêutica.

Na prática médica tornou-se muito freqüente os pacientes receberem duas ou mais medicações simultâneas e essas associações possuem o potencial de interagirem de maneira adversa. Segundo Hasten (1984), “ainda existe muito a ser aprendido com referência a interações medicamentosas adversas; muitas delas que ocorrem diariamente na clínica, passam desapercebidas e os efeitos adversos são freqüentemente atribuídos a idiossincrasia do doente ou à doença em causa”.

Interação medicamentosa é o processo através do qual um medicamento modifica o efeito farmacológico de outro. Os mecanismos dessas interações são muito variados e complexos, contudo, um modo de classificá-los considera as possibilidades de interações farmacocinéticas e farmacodinâmicas.

As interações farmacocinéticas são aquelas que interferem nos processos de absorção, distribuição, metabolização ou excreção de outras medicações. É o caso, por exemplo, de hidróxido de magnésio que reduz a absorção do pentobarbital por propiciar a sua ionização, porém acelera a absorção de sulfadiazina na sua forma ácida. Outros fármacos como o ácido acetilsalicílico produzem uma acetilação da albumina reduzindo sua capacidade fixadora. São inúmeros os exemplos, mas especial atenção, deve o médico concentrar nas interações a nível dos processos de metabolização hepática e na excreção renal, por produzirem geralmente conseqüências mais graves.

As interações farmacodinâmicas são as que interferem nos mecanismos de ação bioquímica dos medicamentos. Citamos como exemplo, a ação de agentes antimicrobianos que ao inibir a produção de vitamina K pelos microrganismos da flora gastrointestinal aumentam os efeitos dos anticoagulantes.

A prescrição de vários medicamentos para um mesmo paciente tem que estar baseada em conhecimento clínico-farmacológico. O que outrora foi chamado de “polifarmácia” ou terapêutica do “tiro de espingarda” (Zanini e Oga, 1994), traduz-se como prescrições do tipo tentativa-erro, caracterizando conduta iatrogênica do médico, que desconhecendo as possibilidades de interações, muitas vezes põe em risco a saúde do paciente.

CONCLUSÕES

A ocorrência de iatrogenia medicamentosa está ligada á própria história da medicina e ao desenvolvimento de novos fármacos.

“Muito é bom, porém o dobro de muito não é necessariamente o dobro de bom”, este provérbio se aplica muito bem à clínica farmacológica. Segundo Laurence e Bennett, (1987), a investigação em farmacologia clínica tem demonstrado que o emprego ótimo de fármacos potentes pode melhorar significativamente o curso de muitas doenças. Entretanto, afirmam os autores gostemos ou não, a otimização e o ajuste da utilização de medicamentos são difíceis, tanto do ponto de vista estritamente farmacológico-clínico, como do ponto de vista epidemiológico.

Melhoria na formação profissional, programas de uso racional de medicamentos, fiscalização e vigilância sanitária, desenvolvimento de programas de farmacovigilância com notificação compulsória de efeitos colaterais são medidas que atenuam a exemplo de outros países, a ocorrência de iatrogenia medicamentosa.

BIBLIOGRAFIA

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Psiconeuroendocrinologia dos Distúrbios Depressivos: eixo hipotálamo-hipófise-tireóide

1. Tárcio Fábio Ramos de Carvalho

Doutor em Saúde Mental pela UNICAMP

2. Everton Botelho Sougey

Professor Adjunto do Departamento de Neuropsiquiatria do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco

Instituição:

Departamento de Neuropsiquiatria do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco

Resumo

Psiconeuroendocrinologia dos Distúrbios Depressivos: eixo hipotálamo-hipófise-tireóide

Nos últimos anos tem havido um crescente interesse nas pesquisas do eixo hipotálamo-hipófise-tireóide em pacientes com depressão. Isso se deve, principalmente, aos consistentes achados de: 1. aumento da resposta terapêutica com a associação de T3 e antidepressivos; 2. diminuição da resposta do hormônio estimulante da tiróide (TSH) no teste de estimulação da hipófise pelo hormônio liberador da tireotropina (TRH) em pacientes com depressão. Esse artigo faz uma revisão das principais linhas de estudos que vêm sendo desenvolvidas nessa área. Apesar de importantes progressos obtidos recentemente, o negligenciamento de variáveis que influenciam os níveis desses hormônios tem levado a resultados muitas vezes contraditórios e de pouco valor para compreensão da fisiopatologia dos distúrbios depressivos.

Unitermos: distúrbio depressivo, tiróide.

Summary

Psychoneuroendocrinology of Depressive Disorders: the hypotalamic-pituitary-thyroid axis

In recent years, there has been a long-standing interest in researches involving the hypothalamic-pituitary-thyroid axis in depressed patients. This is due, principally, to consistent finds: 1.T3 potentates the antidepressant effects; 2. the blunted thyroid-stimulating hormone (TSH) response to thyrotropin-releasing hormone (TRH) stimulation test. This paper reviews the most important researches methodology. Despite the recent progress in this scope, there are negligence of variables that modify those hormonal levels. The results of the research are sometimes contradictory and of low value for the understanding of pathophysiology in depressive disorders

Unitermos: depressive disorders, thyroid.

Introdução

A depressão é um dos distúrbio médicos mais prevalentes. Estima-se que no Brasil, considerando apenas a população adulta, existem aproximadamente 6 milhões de pessoas sofrendo de depressão (Bechelli e col., 1990). Seus efeitos psicológicos, sociais e econômicos são enormes. A mais grave complicação da depressão é o suicídio e não há dúvidas de que a grande maioria dos suicídios são devidos a esse distúrbio.

Apesar dos avanços tecnológicos e metodológicos das pesquisas médicas, os distúrbios depressivos permanecem um grupo clinicamente heterogêneo, sem que um mecanismo fisiopatológico tenha sido estabelecido. Grandes esforços continuam sendo empregados pela comunidade médico-científica. O acúmulo de conhecimentos, com novos métodos de diagnósticos e de mensuração biológica em Psiquiatria, podem abrir caminhos para elucidação dos mecanismos envolvidos na fisiopatologia dos distúrbios depressivos.

A investigação da bioquímica dos distúrbios depressivos tem sido uma área de intensa atividade desde o final dos anos 50, com a introdução da imipramina e inibidores da monoaminoxidase. A partir de então houve grandes progressos como, por exemplo, conhecimento dos neurotransmissores, estruturas e funcionamento cerebral e mecanismos neuro-hormonais.

Clinicamente os pacientes com depressão apresentam sinais e sintomas que refletem alterações em vários sistemas biológicos como o sono, apetite, atividade motora e atividade sexual. Sabendo que certos hormônios podem desenvolver quadros com essas mesmas manifestações, há um grande interesse em estudos das alterações hormonais em pacientes com depressão. Pacientes com certas endocrinopatias, como o hipotiroidismo, cursam com síndromes depressivas. Estima-se que cerca de 76% dos pacientes com hipotiroidismo apresentam sintomas de depressão (Droba e col., 1989). Dessa forma, clínicos e pesquisadores já há muito tempo consideram a possibilidade de haver uma associação entre o sistema endócrino e os distúrbios afetivos. Com o desenvolvimento de vários testes sensíveis para análise bioquímica dos hormônios e de peptídeos hipotalâmicos, a psiconeuroendocrinologia se estabeleceu como uma importante área de pesquisas dos distúrbios afetivos. Os resultados dos estudos são ainda muito contraditórios. Alterações relacionadas com os distúrbios depressivos têm sido encontradas nos seguintes sistemas:

eixo hipotálamo-hipófise-adrenal;

eixo hipotálamo-hipófise-tiróide;

eixo hipotálamo-hormônio do crescimento;

eixo hipotálamo-hipófise-prolactina;

glândula pineal (melatonina).

Por muito tempo o estudo do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal teve uma atenção especial movido, principalmente, pelo interesse e entusiasmo com a possibilidade do teste de supressão do cortisol pela dexametasona (DST) servir como um marcador biológico da depressão. Atualmente estes estudos têm maior interesse na pesquisa da disfunção do eixo do que como marcador biológico da depressão (Moreno e col., 1990).

Mais recentemente o estudo do eixo hipotálamo-hipófise-tiróide tem recebido destaque. Só nos últimos quinze anos, cerca de mil pacientes foram estudados em aproximamente 50 diferentes pesquisas sobre esse tema (Schildkraut e col., 1989). Além dos constantes relatos de alterações desse sistema em um subgrupo de pacientes com depressão, várias pesquisas nos anos oitentas demonstraram importante benefício terapêutico da associação de T3 com um antidepressivo.

Fisiologia do eixo hipotálamo-hipófise-tiróide

A glândula tiróide está localizada logo abaixo da laringe, à frente e de ambos os lados da traquéia. Ela secreta dois importantes hormônios, a tiroxina (T4) e a triiodotironina (T3), que encerram grande efeito sobre o metabolismo do organismo. Secreta, também, a calcitonina, um importante hormônio para o metabolismo do cálcio.

A ausência total de secreção da glândula tiróide faz, geralmente, com que o metabolismo basal caia cerca de 40% abaixo do normal e a secreção tiróide excessiva pode fazer com que esse metabolismo basal eleve-se a 60% a 100% acima do normal. A secreção da tiróide é controlada principalmente pelo hormônio estimulante da tiróide (TSH), secretado pela glândula pituitária anterior.

Cerca de 90% do hormônio secretado pela glândula tiróide são T4 e 10% são T3. Contudo, considerável porção do T4 é convertido em T3 nos tecidos periféricos, de forma que ambos são funcionalmente muito importantes. As funções desses dois hormônios são, qualitativamente, as mesmas, porém diferem quanto à rapidez e intensidade da ação. O T3 é cerca de 4 vezes mais potente que o T4, porém está presente no sangue em quantidades muito menores e persiste por um tempo mais curto que o T4. Por conseguinte o efeito integral de cada um dos hormônios, durante o seu período de ação, por unidade de massa de hormônio é, provavelmente, igual. Isso significa, então, que aproximadamente três quintos do efeito hormonal total nos tecidos sejam supridos pela T4 e o restante pelo T3.

Para formar quantidades normais de T4 são necessários aproximadamente 50 mg de iodo ingerido a cada ano ou, aproximadamente, 1 mg por semana. Para prevenir a deficiência de iodo, o sal de mesa comum é iodado com uma parte de iodeto de sódio para cada 100.000 de cloreto de sódio. O iodo ingerido por via oral é absorvido do tubo gastrointestinal para o sangue, de maneira similar aos cloretos. Dentro de três dias, dois terços dos iodetos ingeridos perdem-se normalmente pela urina e quase todo o terço restante é removido, seletivamente, do sangue circulante, pelas células da glândula tiróide e usados para síntese dos hormônios tiroidianos. Ficam armazenados sob a forma de tireoglobulina nos folículos e mais tarde são secretados no sangue, principalmente sob a forma de T4.

Após a injeção de grandes quantidades de T4 num ser humano, praticamente nenhum efeito sobre o metabolismo basal pode ser discernido durante dois a três dias, ilustrando assim que há um longo tempo de latência antes do início da atividade. Uma vez iniciada, a atividade aumenta progressivamente e atinge seu máximo dentro de 10 a 15 dias. A partir daí, ela diminui, com uma meia-vida de cerca de 15 dias. Certa atividade persiste, ainda, seis semanas a dois meses depois. As ações do T3 ocorrem cerca de 4 vezes mais rápido que as do T4, sendo seu período de latência de 6 a 12 horas e sua atividade celular máxima ocorre dentro de 2 a 3 dias.

Para manter o metabolismo basal normal, é necessário que a quantidade apropriada de hormônio tiroidiano seja continuamente secretada e, para isso, um mecanismo específico de realimentação opera através do hipotálamo e pituitária anterior, de forma a controlar o índice de secreção tiroideana.

O estímulo elétrico de várias áreas do hipotálamo, mais particularmente dos núcleos paraventriculares e arqueado, aumenta a secreção de TSH pela pituitária anterior e, correspondentemente, aumenta a atividade da glândula tiróide. Esse controle da secreção da pituitária anterior é exercido por um hormônio hipotalâmico — o hormônio liberador da tireotropina (TRH) — que é secretado pelas terminações nervosas na eminência média do hipotálamo e, a seguir, transportado daí para a pituitária anterior, no sangue portal hipotalâmico-hipofisário.

O TRH afeta diretamente as células glandulares da pituitária anterior, para aumentar sua secreção de TSH. Quando o sistema portal do hipotálamo para a pituitária anterior se encontra totalmente bloqueado, o índice de secreção do TSH pela pituitária anterior acha-se grandemente diminuído, porém não reduzido a zero.

Um dos estímulos mais conhecidos no aumento do índice de secreção de TRH pelo hipotálamo, e, por conseguinte, da secreção de TSH pela pituitária anterior, é a exposição de um animal ao frio. Várias reações emocionais podem, também, afetar a excreção de TRH e TSH e, por conseguinte, afetar indiretamente a secreção de hormônios tiroideanos. Por outro lado, a excitação e a ansiedade — condições que estimulam apreciavelmente o sistema nervoso simpático — causam diminuição aguda da secreção de TSH. Nenhum desses efeitos emocionais, nem o efeito do frio, é observado após a secção do pedículo hipofisário, ilustrando que esses efeitos podem ser mediados pelo hipotálamo.

O aumento dos hormônios tiroideanos nos líquidos orgânicos diminui a secreção de TSH pela pituitária anterior. Quando o índice de secreção do hormônio tiroidiano eleva-se a cerca de 1,75 vez o normal, o índice de secreção do TSH cai a praticamente zero. A maior parte desse efeito depressor de realimentação ocorre mesmo quando a pituitária anterior haja sido totalmente separada do hipotálamo e o sistema portal hipotalâmico-hipofisário estejam intactos. Por conseguinte, é provável que o aumento do hormônio tiroideano iniba a secreção hipofisária do TSH, principalmente através de um efeito de realimentação direta sobre a própria pituitária anterior, porém, talvez, secundariamente por efeitos muito mais débeis agindo através do hipotálamo.

Fisiopatologia do hipotiroidismo

O hipotiroidismo ocorre devido à síntese insuficiente de hormônio tiroideano. O hipotiroidismo pode ter origem na própria glândula (hipotiroidismo primário) ou ter origem fora da tiróide (hipotiroidismo secundário).

O hipotiroidismo primário pode ser classificado em:

Tireoprivo – A perda do tecido tiroidiano leva à síntese deficiente dos hormônios, mesmo que haja estimulação máxima pelo TSH.

Bociogênico – Devido a distúrbio funcional na capacidade de sintetizar hormônio tiroidiano em quantidade adequada, induz, por mecanismo de feed-back, a uma hipersecreção do TSH que, por sua vez, provocará como resposta um aumento da tiróide (bócio).

No hipotiroidismo secundário, também conhecido como hipotiroidismo central, a tiróide está normal, mas não há estimulação adequada pelo TSH. O hipotiroidismo central pode ter origem hipofisária (necrose pós-parto, tumor) e, mais raramente, origem hipotalâmica.

Alterações do eixo hipotálamo-hipófise-tiróide em pacientes com depressão

Em um grupo de pacientes com depressão tem sido encontrado uma diminuição da resposta do TSH ao TRH. Estima-se que 25% a 70% dos pacientes com depressão apresentam essa característica (Loosen & Prange, 1982; Barry & Dinan, 1990). Esse achado tem levado a especulações sobre a fisiopatologia dos distúrbios depressivos, levantando a hipótese de um possível defeito na regulação do eixo hipotálamo-hipófise-tiróide (Kirkegaard, 1981).

Como acontece com o teste da dexametasona, uma alteração na resposta do TSH após estimulação do TRH poderia permitir distinções entre subtipos nosológicos de depressão. Para Asnis e col. (1980), um teste de estimulação de TSH anormal diferencia depressões primárias das secundárias, não somente durante o episódio depressivo, mas após a sua remissão. Por outro lado, Gold e col. (1980) e Extein e col. (1980) observaram que os pacientes deprimidos bipolares apresentam uma resposta do TSH ao TRH normal ou aumentada.

De um modo geral, a maioria dos autores é unânime em reconhecer que a normalização da resposta do TSH ao TRH ocorrendo paralelamente à remissão do quadro clínico confere a este teste laboratorial um valor preditivo. Para Kirkegarrd e col. (1978), um tratamento antidepressivo pode ser interrompido quando o teste TSH/TRH se normaliza, constituindo dessa forma um índice bioquímico do efeito terapêutico dos antidepressivos. Não obstante, autores como Langer e col. (1980) se opõem à opinião de Kirkeegarrd e col. ao estimarem que a tendência do pico de TSH em resposta ao TRH prediz apenas a evolução clínica imediata.

Algumas das principais linhas de pesquisas, metodologias e problemas envolvendo esse tema são descritas.

Efeitos da eletroconvulsoterapia (ECT)

Apesar da ECT ter comprovada eficácia no tratamento da depressão, o mecanismo de ação do eletrochoque permanece obscuro. Alterações nos sistemas de neurotransmissão monoaminérgicos têm sido responsabilizadas pela fisiopatologia da depressão, entretanto esse aminas exercem importante influência nas funções neuroendócrinas. Os estudos da resposta do TSH à estimulação do TRH em relação aos efeitos terapêuticos da ECT podem fornecer importantes informações. Alguns estudos sobre esse tópico foram realizados e os resultados foram inconsistentes (Coppen e col., 1980; Papakostas e col., 1981; Krog-Meyer e col., 1985; Nerozzi e col., 1987; Decina e col., 1987; Hofmann e col., 1989).

Krong-Meyer e col. (9185) observaram um aumento significativo da resposta do TSH ao teste de estímulo com TRH após tratamento de pacientes deprimidos com ECT. Esse aumento foi maior nos pacientes que se mantiveram sem depressão do que nos pacientes que sofreram recaída. Lykouras e col.(1991) não observaram essa variação, mas notaram uma associação positiva entre a gravidade do quadro depressivo e os valores de TSH no teste de estimulação pelo TRH, nos pacientes com depressão antes de iniciarem a ECT. Uma provável alteração hipotalâmica pode estar envolvida nos quadros depressivos, sendo que esse achado merece maiores investigações.

Tratamento

Há um debate na literatura quanto ao uso de preparações de hormônios da tiróide no tratamento da depressão. Uma revisão do tema foi realizada por Stein & Avni (1988). Alguns defendem que esses hormônios, quando prescritos associados aos antidepressivos tricíclicos (ADT), aumentariam a velocidade do começo da ação do efeito antidepressivo. Goodwin e col. (1982) relataram que a adição de 25 a 50 g/dia de L-triiodotironina trouxe resposta clínica em sete dias em pacientes que não tinham respondido previamente ao tratamento com ADT. Alguns trabalhos subseqüentes confirmaram essa observação e várias hipóteses foram formuladas para tentar explicar esse efeito. A argumento mais utilizado pelos autores é que esses pacientes teriam um hipotiroidismo subclínico (Gewirtz e col., 1988; Goodnick e col., 1989; Haggerty e col, 1990; Targum e col., 1984).

Targum e col. (1983) relataram que os pacientes que respondiam ao T3 tinham aumento dos valores do TSH no teste de estímulo pelo TRH, sugerindo que uma forma sutil de disfunção tiroidiana a nível hipotalâmico possa estar presente.

Especialmente interessante foi o recente estudo de Cooke e col. (1992). Ele estudou 8 pacientes com hipotiroidismo que haviam desenvolvido depressão após reposição com T4 e estabilização do quadro clínico. Todos os pacientes foram tratados com antidepressivos por, pelo menos, 5 semanas, sem resposta clínica. Com a introdução de T3, seis pacientes melhoraram dentro de três semanas. A pergunta que se faz aqui é: por que os pacientes não apresentavam outros sintomas de hipotiroidismo, e melhoraram da depressão com a introdução de T3? Uma hipótese seria que os pacientes com depressão e com níveis normais de hormônios tiroidianos teriam uma supressão da produção de T4 endógeno e redução de disponibilidade para conversão em T3 no cérebro (Joffe e col., 1984). Isso ainda não pode ser afirmado com segurança. De qualquer forma, esse estudo reforça a hipótese de que deve haver uma alteração da ação/regulação dos hormônios tiroidianos a nível do sistema nervoso central. Cabe ainda lembrar que diversos estudos têm encontrado elevação de T4 e/ou da taxa de T4 livre (FT4I) em pacientes com depressão maior durante os primeiros dias de hospitalização (Spratt e col., 1982; Kirkegaard e col., 1981; Chen e col., 1990).

Cronobiologia

Nos últimos 30 anos tem havido um grande interesse pelas alterações envolvendo o sistema endócrino e a cronobiologia nos distúrbios afetivos. Numerosas modificações da sazonalidade, ritmo circadiano, variação da temperatura corporal e padrão de sono são descritas em pacientes com depressão.

Os padrões de variação circadiana dos hormônios foram estudados e estabelecidos nos anos sessentas e setentas. O padrão de variação diurno do TSH passaram a ser conhecidos mais recentemente (Patel e col., 1972; Weeke & Weeke, 1973; O’Connor e col., 1973; Lucke e col., 1977; Custro e col., 1980). Atualmente há certa concordância de que o nível de TSH aumenta à tarde, atingindo um pico aproximadamente entre dez horas da noite e a meia-noite. Pela manhã os níveis de TSH vão baixando, sendo os menores valores encontrados em torno de dez horas da manhã (Utiger, 1986). Variações de T3 e T4 também foram observadas, mas apenas com um pequeno grau de flutuação. Isso pode ser explicado pelo meia-vida prolongada do T4 e pela grande quantidade disponível do hormônio ligado às proteínas e armazenado na glândula tiróide.

Em pacientes com depressão foi descrita uma elevação noturna menor do TSH (Goldstein e col., 1980; Kjellman e col., 1984; Weeke & Weeke, 1978; Souetre e col., 1986), apesar de haver outros estudos em que essa alteração não foi confirmada (Kijne e col, 1982; Weeke & Weeke, 1980). Durval e col. (1990) encontraram uma diferença significativa na resposta do TSH ao TRH em pacientes com depressão comparados com controles, dependendo do horário em que era realizado o teste de estimulação com o TRH. Essa diferença era maior às onze horas da noite do que às oito horas da manhã.

Ainda que esse estudos não tenha trazido importantes contribuições para o conhecimento da fisiopatologia dos distúrbios depressivos, eles são úteis na medida em que determinam a variações diurnas/noturnas dos níveis hormonais. O negligenciamento desse fator pode levar a resultados falsos e contraditórios em pesquisas. Wilson e col. (1992) recomendam que nas pesquisas sejam especificados os horários da coleta de amostras para avaliação dos hormônios tiroidianos em pacientes com depressão, o que pode ajudar a diminuir as discrepâncias na literatura.

Outros fatores também modificam os níveis dos hormônios tiroidianos. Os cloretos inibem a ligação do T4 com a albumina. Logo, pacientes com baixos níveis de cloretos terão mais T4 ligados à albumina (Rajatanavin e col, 1984). Como T3 e T4 circulam no organismo ligados às proteínas, as concentrações desses hormônios acompanham os valores séricos da albumina (Csako, 1987). Chen e col. (1990) identificaram, dentre outras medidas, que os pacientes com depressão tinham baixos níveis de cloretos e a albumina tendia a ser alta. Esse grupo de paciente apresentou níveis de altos de T4 e FT4I, que se normalizaram com a reposição de cloretos e diminuição da albumina. Como esses pacientes receberam tratamento com antidepressivos, a questão permanece em aberto.

Conclusões

Apesar de um grande número de estudos relacionarem modificações do eixo hipotálamo-hipófise-tiróide com os estados depressivos, as diferentes metodologias empregadas nas pesquisas fazem os resultados parecerem confusos e contraditórios. Um grande número de variáveis influenciam as dosagens de TRH, TSH, T3 e T4. Mesmo em controles, sem problema médico importante ou uso de drogas, a resposta do TSH ao TRH apresenta uma ampla variação. Os pesquisadores, além disso, utilizam critérios diferentes para identificação de um caso com distúrbios depressivo, o que provavelmente leva a obtenção de amostras heterogêneas. Os sistemas computadorizados de multidiagnósticos como, por exemplo, a LICET-D10 (Sougey,1992), são mais adequados para a seleção de pacientes deprimidos. Esses sistemas são mais confiáveis e permitem melhor comparação entre as pesquisas. Estudos mais rigorosos, com controle das variáveis que modificam esses hormônios e seleção criteriosa dos pacientes, podem trazer grandes progressos para compreensão dos distúrbios depressivos.

Provavelmente, um subgrupo de pacientes com depressão apresenta hipotiroidismo subclínico e, às vezes, clínico. Isso tem ficado mais evidente com o grande número de pesquisas evidenciando diminuição de T3 e/ou T4 e diminuição da resposta do TSH ao TRH. Parece que há um mecanismo que, durante a depressão, modifica o padrão de funcionamento do hipotálamo. Esse subgrupo de pacientes com depressão merece uma especial atenção, visto que eles apresentam padrão de resposta terapêutica diferenciada, o que pode contribuir para o desenvolvimento de tratamentos mais eficazes para os distúrbios depressivos.


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Serotonina e a depressão

Dr. Tarcio Carvalho

A depressão é um fenômeno clínico que se expressa na maioria das vezes através de sentimentos persistentes de inadequação, tristeza, desamparo, pessimismo exagerado, autodepreciação, baixa da auto-estima e um cortejo de sintomas somáticos como insônia terminal, sensação de cansaço, falta de energia, desânimo, anorexia e perda de peso entre outros.

O distúrbio depressivo provoca sofrimento ao doente, à sua família e a seus amigos. Freqüentemente ela abate o ânimo e leva ao suicídio. Pessoas deprimidas freqüentemente se afastam dos amigos, de seus entes queridos e de ocupações e passatempos habituais, que anteriormente lhes eram agradáveis.

A suposição de que, a exemplo do que acontece em outras condições clínicas, o quadro depressivo possa estar relacionado à alterações no funcionamento do cérebro, corresponde a uma nova concepção de referencial neurobiológica em Psiquiatria. Pouco a pouco a concepção funcional de um sistema nervoso envolvido substâncias neurotransmissoras substituiu o antigo modelo morfológico da Psiquiatria anátomo-clínica.

As primeiras evidências de alterações neuroquímicas relacionadas à depressão surgiram da constatação de que a reserpina, utilizada como hipotensor, provocava síndromes depressivos com freqüência. em 1955, Shore e col. demonstraram que este produto diminuía as concentrações cerebrais de serotonina e no ano seguinte Carlsson e Hillarp observaram que a reserpina agia do mesmo modo em relação às catecolaminas, tissulares e que interrompiam a transmissão sináptica. Posteriormente, Kline sugere os efeitos antidepressivos que da Isoniazida e da Iproniazida estavam ligados ao fato de ambas serem inibidoras da monoaminoxidade (IMAO). Esses achados e posteriormente mistos outros apoiavam a concepção fisiopatogênica que relacionava o fenômeno clínico depressivo a um déficit das monoaminas cerebrais. A evolução do conhecimento nesse setor produziu vários hipóteses funcionais ora destacando o papel da serotonina, hora o da noradrenalina como os neurotransmissores mais envolvidos nos mecanismos neuroquimicos das depressões. Estudos de dosagens de metabólitos de neurotransmissores no líquido cefalorraquidiano pretenderam demonstrar a heterogeneidade bioquímica das depressões e de certos síndromes ou comportamentos associados.

À medida que se descobria a complexidade dos sistemas de neurotransmissores; que se evidenciava a participação de receptores específicos e de polipeptídeosdesempenhando funções cada vez mais intrincadas nos diversos processos psíquicos, as visões iniciais cedem lugar a posições mais prudentes considerando estes mecanismos como um fio condutor para a compreensão do suporte bioquímico das depressões.

Nesse contexto, estudos mais recentes têm apoiado com mais consistência o envolvimento da serotonina nos complexos mecanismos relacionados com as depressões. Estes estudos incluem evidencias neuroendócrinas e hipóteses sobre um desequilíbrio de receptores serotoninérgicos. Todavia, é pouco provável que alterações envolvendo um só neurotransmissor sejam responsáveis pela ampla diversidade de fenômenos que caracterizam as depressões. Estamos num caminho de descobertas, em ainda de muitas interrogações.

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Modelo Clínico dos Distúrbios de Pânico

Dr. Tárcio Carvalho

Durante muitos anos, os distúrbios de ansiedade com a sintomatologia aguda ou crônica, continuaram a ser oficialmente considerados como intensidades diferentes de um mesmo fenômeno e agrupados sob a denominação comum de ”neurose de ansiedade”.

A partir das observações clínicas inicias de Sargant e Dally, a utilização de inibidores da monoaminoxidase (IMAO) no tratamento da Ansiedade fóbica passou a ser difundida.

Segundo Klein e col. isso ocorreu provavelmente devido a idéia preconcebida de que os antidepressivos tricíclicos eram especialmente úteis nas depressões endógenas.

Klein e Fink foram os primeiros a utilizar imipramina em pacientes ansiosos que há longo tempo apresentavam ataques de pânico. O sucesso terapêutico levou Klein a realizar um estudo controlado, duplo-cego entre imipramina e placebo, a superioridade da imipramina foi claramente estabelecida. Começava-se assim, a demostrar que a distinção fenomenológica entre ansiedade aguda caracterizada por ataques do tipo pânico e a ansiedade crônica do tipo generalizada, expressava uma diferença psicobiológica verdadeira, com implicações específicas no tratamento. Não obstante as evidências farmacológicas sugerirem um grupo nosológico particular no interior dos distúrbios de ansiedade, as classificações oficiais mantiveram até os fins dos anos setenta uma designação única para esses distúrbios. É o caso da Classificação Internacional de Transtornos Mentais — CID-9 — editada em 1975 pela Organização Mundial de Saúde, que reúne sob o Título ”Estados de Ansiedade”. (300.0), cinco especificações: estado neurótico ansioso, neurose de ansiedade, reação ansiosa, ataque, estado e transtorno de pânico.

Somente em 1978, Spitzer e col. ao publicarem os ”Critérios Diagnósticos para uso em Pesquisa Psiquiátrica” (RDC) descreveram pela primeira vez os distúrbios do pânico como uma categoria distinta dos outros estados de ansiedade. Esta foi uma classificação inicialmente restrita a um grupo de pesquisadores dos E.E.U.U., mas que contribuiu substancialmente para uma nova concepção nosológica em Psiquiatria.

O reconhecimento oficial dos distúrbios do pânico como uma nova entidade clínica viria com a terceira edição do Manual de Diagnóstico e Estatística de Distúrbios Mentais — DSM-III — editada pela Associação Americana de Psiquiatria em 1980.

Na edição revisada do DSM-III, publicada em 1987, algumas mudanças foram efetuadas em relação aos distúrbios de ansiedade. A principal delas torna os distúrbios de ansiedade. A principal delas torna os distúrbios do pânico primários em relação a Agorafobia (distúrbio do pânico com Agorafobia e sem Agorafobia) posição inversa da edição de 1980. Por outro lado, reserva uma rubrica para ”Agorafobia sem história de Ataques de pânico” Apesar de admitir a raridade desta condição em populações clínicas. Na edição de 1980. O DSM-III preconiza como um dos critérios para o diagnóstico de pânico pelo menos 3 ataques no período de 3 semanas. Entretanto, merece destaque como assinala Pereira e col. que na prática clínica encontram-se casos típicos de pânico sem a freqüência siga o preconizado neste item. O DSM-III-R reconhece esta realidade clínica e amplia este critério em dois: no primeiro (A)”Um ou mais Ataques desde o início do distúrbio”, no segundo (B) estabelece a exigência de pelo menos quatro Ataques nas últimas quatro semanas ou um ou mais Ataques desde que acompanhados de Ansiedade Antecipatória. Temos portanto, uma subdivisão dentro da própria categoria do pânico. Finalmente no que concerne ao diagnóstico, o DSM-III-R estende a lista de sinais e sintomas incluindo como freqüentes a despersonalização-desrealização e náusea-desconforto abdominal.

Conceito, Quadro Clínico e Diagnóstico

Os ataques de pânico são considerados as principais manifestações de ansiedade patológica podendo sobrevir em vários circunstâncias como ataques isolados, ataques durante fases depressivas, durante situações de stress excessivos, em pacientes com fobias ou podem ocorrer espontaneamente pacientes com fobias ou podem ocorrer espontaneamente. Estas crises têm caráter irracional e se caracterizam por episódios agudos de intensa ansiedade psíquica (apreensão, medo, terror), acompanhadas de manifestações autonômicas (palpitações, dificuldades para respirar, dor ou desconforto pré-cordial, tonturas, tremores, suores, etc…). Estes comemorativos acompanham-se de medo de morte iminentes, de enlouquecer ou perder o controle. Geralmente o paciente procura reagir defensivamente a esta circunstância procurando sair do local onde se encontra para um lugar onde se encontra para um lugar onde possa melhor respirar ou solicitar ajuda (cônjuge, vizinhos, amigos, parentes, médico). As vezes o paciente não é capaz de incriminar uma razão psicológica relacionada á crise, ainda que possa ser precedido de um trauma psíquico ou de um grande período de fadiga excessiva, que possam ser relacionados como fator desencadeante. Ainda que o paciente, em geral recupere-se uma vez passado o primeiro ataque de pânico, outros se produzem mesmo que o fator supostamente predisponente tenha sido eliminado. Os ataques surgem de maneira inesperada, duram minutos, raramente horas, talvez com menor freqüência quando o paciente estiver calmo e tranqüilo em seu próprio lar, embora ele nunca possa se sentir completamente seguro.

Logo se desenvolve uma ansiedade secundária ou intercrítica de gravidade progressiva e mais duradoura, isto é, o temor de sofrer novas crises. Em determinadas situações, por exemplo, ao se encontrar entre uma multidão ou em uma loja, ou nos transportes urbanos, etc…, ansiedade secundária torna-se particularmente intensa. Se o paciente é incapaz de fazer frente a essas situações e procurar evitar o problema, sobrevem a agorafobia. Este termo tem sua origem na Grécia antiga referindo-se ao santuário construído em Atenas para homenagear Pã. Situado ao ar livre e evitado por pessoas que tinham medo (phobos) de freqüentar lugares públicos (agora) . Atualmente, a agorafobia tem seu conceito amplificado não limitando-se á fobia de grandes espaços abertos mas também abrangendo o medo irracional de abandonar o ambiente familiar acompanhada de um intenso sentimento de desamparo quando fora deste ambiente (geralmente a própria casa). Assim, o paciente evita ficar só ou em lugares públicos considerados inseguros para o caso de sobrevir um ataque.

Epidemiologia

A quantificação da prevalência dos distúrbios do pânico está diretamente relacionada com os critérios diagnósticos utilizados. Estados patrocinados pelo Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos, utilizando os critérios do DSM-III fornecem uma estimativa de prevalência entre 05 e 1 % . Transportando esses índices para nosso população teríamos no Brasil cerca de 130.000 pessoas acometidas de distúrbio do pânico.

Segundo Caetano o ataque de pânico pode ocorrer em qualquer período da vida da infância á meia idade por tanto adultos jovens, cujos distúrbios podem trazer sérias conseqüências para o desenvolvimento profissional e pessoal Costa e Silva e cols. em estudo com 508 casos de pânico, encontrou 70% dos pacientes numa faixa etária entre 20 e 40 anos. O distúrbio do pânico é mais freqüente em mulheres. Caetano encontrou em nosso meio uma proporção de 2,5 mulheres para cada homem. Em outro estudo o mesmo antes determinou uma relação de 4,5 mulheres para cada homem. Em relação a outros dados epidemiológicos como cor, profissão, sócio-econômica os estudos sugerem ser o distúrbio do pânico uma patologia que encontraram maior incidência em pacientes de cor branca, boa educação e classe sócio-econômica média, foram condicionados pelo processo de seleção.

Diagnóstico Diferencial

O distúrbio do Pânico por seu componente ansioso com as diversas manifestações autonômicas, requer ser diferenciado de outras afecções mentais e físicas em particular porque ao longo de suas evoluções podem sobrevir manifestações semelhante.

Devemos procurar efetuar o diagnóstico diferencial do distúrbio do pânico com: Feocromocitoma, hipertiroidismo, alterações do ritmo cardíaco, isquemias agudas do miocárdio, crises epilépticas com manifestações afetivas e autonômicas, hipoglicemia, uso de drogas, síndrome de abstinência e outros transtornos físicos.

Evolução

Sabemos que os estudos de follow-up para os distúrbios do pânico são ainda pouco freqüentes e naturalmente pela própria evolução conceitual desta afecção muito ainda existe a ser investigado e esclarecido.

Quando do surgimento do primeiro ataque de pânico, a referência de ter sido precedido por um fator apontado como desencadeante, as crises subseqüentes ocorrem sem nenhum envolvimento com situações de stress e até mesmo de ”aparente tranqüilidade”. Após as primeiras crises o paciente em geral reforçado pelos familiares procura uma explicação física para o problema, consulta vários especialista e realiza diferentes exames complementares, chegando mesmo até a efetuar tratamentos. Diante do insucesso destas tentativas o paciente procura um auxílio psiquiátrico/ Psicológico. Devemos também lembrar que alguns pacientes procuram repetidas vezes pronto-socorros ou serviços de urgências cardiológicas quando a crise é iniciada neles chegando o pico dessa já tem passado recebendo geralmente além de uma medicação tranqüilizante o parecer de que nada de anormal do ponto de vista físico foi encontrado.

O paciente passa pois a temer o surgimento de novos episódios gerando uma ansiedade antecipatória. Tal fenômeno propicia o desenvolvimento de comportamentos de evitação fóbica que não mais limita-se aos locais ou circunstâncias em que o paciente apresentou o episódio de pânico, estende-se a lugares e situações interpretadas e sentidas como de risco, pois dificultariam seu pronto atendimento caso sobrevenha um novo ataque de pânico. Com o evoluir do tempo estes pacientes podem desenvolver agorafobia, porém nem todos os pacientes com Pânico desenvolvem agorafobia.

Uma vez o distúrbio do pânico instalado seu curso tende a ser contínuo e flutuante. Porém alguns pacientes referem no passado já terem apresentado episódio de pânico mas numa frequência que não justificou a procura de cuidados médicos. Por outro lado, o período pre-mestrual e stress emocional são considerados fatores agravantes. Entretanto, a gravidez tem um papel protetor propiciando a melhora ou abolição mesmo que temporária das crises. Apesar da ansiedade e a depressão constituírem entidades diferentes, na prática clínica comumente estão associadas. Na evolução do distúrbio do pânico a presença de uma síndrome depressiva é freqüente. Gentil Filho por exemplo, chega a incluir na avaliação terapêutica dos pacientes com distúrbio do pânico um item destacando os ”sintomas depressivos e desmoralização secundários” Outro lado a considerar é relatado por Coryell e cols. que comparando a mortalidade em pacientes com distúrbio do pânico com aqueles portadores de depressão unipolar primária encontrou um percentual de 20% de morte por suicídio para o primeiro grupo contra 11,2% para o segundo. Os problemas psicossomáticos também freqüentes nos pacientes com distúrbio do pânico. Em estudo realizado por Caetano comparando diversas variáveis entre 18 pacientes com pânico e 39 sem pânico encontrou quase duas vezes mais a referência de doenças psicossomáticas passadas e/ou presentes no grupo com pânico, sendo as dores corporais de tensão e a rinite alérgica as desordens mais comuns.

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