1. Tárcio Fábio Ramos de Carvalho
Doutor em Saúde Mental pela UNICAMP
2. Everton Botelho Sougey
Professor Adjunto do Departamento de Neuropsiquiatria do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco
Instituição:
Departamento de Neuropsiquiatria do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco
Resumo
Psiconeuroendocrinologia dos Distúrbios Depressivos: eixo hipotálamo-hipófise-tireóide
Nos últimos anos tem havido um crescente interesse nas pesquisas do eixo hipotálamo-hipófise-tireóide em pacientes com depressão. Isso se deve, principalmente, aos consistentes achados de: 1. aumento da resposta terapêutica com a associação de T3 e antidepressivos; 2. diminuição da resposta do hormônio estimulante da tiróide (TSH) no teste de estimulação da hipófise pelo hormônio liberador da tireotropina (TRH) em pacientes com depressão. Esse artigo faz uma revisão das principais linhas de estudos que vêm sendo desenvolvidas nessa área. Apesar de importantes progressos obtidos recentemente, o negligenciamento de variáveis que influenciam os níveis desses hormônios tem levado a resultados muitas vezes contraditórios e de pouco valor para compreensão da fisiopatologia dos distúrbios depressivos.
Unitermos: distúrbio depressivo, tiróide.
Summary
Psychoneuroendocrinology of Depressive Disorders: the hypotalamic-pituitary-thyroid axis
In recent years, there has been a long-standing interest in researches involving the hypothalamic-pituitary-thyroid axis in depressed patients. This is due, principally, to consistent finds: 1.T3 potentates the antidepressant effects; 2. the blunted thyroid-stimulating hormone (TSH) response to thyrotropin-releasing hormone (TRH) stimulation test. This paper reviews the most important researches methodology. Despite the recent progress in this scope, there are negligence of variables that modify those hormonal levels. The results of the research are sometimes contradictory and of low value for the understanding of pathophysiology in depressive disorders
Unitermos: depressive disorders, thyroid.
Introdução
A depressão é um dos distúrbio médicos mais prevalentes. Estima-se que no Brasil, considerando apenas a população adulta, existem aproximadamente 6 milhões de pessoas sofrendo de depressão (Bechelli e col., 1990). Seus efeitos psicológicos, sociais e econômicos são enormes. A mais grave complicação da depressão é o suicídio e não há dúvidas de que a grande maioria dos suicídios são devidos a esse distúrbio.
Apesar dos avanços tecnológicos e metodológicos das pesquisas médicas, os distúrbios depressivos permanecem um grupo clinicamente heterogêneo, sem que um mecanismo fisiopatológico tenha sido estabelecido. Grandes esforços continuam sendo empregados pela comunidade médico-científica. O acúmulo de conhecimentos, com novos métodos de diagnósticos e de mensuração biológica em Psiquiatria, podem abrir caminhos para elucidação dos mecanismos envolvidos na fisiopatologia dos distúrbios depressivos.
A investigação da bioquímica dos distúrbios depressivos tem sido uma área de intensa atividade desde o final dos anos 50, com a introdução da imipramina e inibidores da monoaminoxidase. A partir de então houve grandes progressos como, por exemplo, conhecimento dos neurotransmissores, estruturas e funcionamento cerebral e mecanismos neuro-hormonais.
Clinicamente os pacientes com depressão apresentam sinais e sintomas que refletem alterações em vários sistemas biológicos como o sono, apetite, atividade motora e atividade sexual. Sabendo que certos hormônios podem desenvolver quadros com essas mesmas manifestações, há um grande interesse em estudos das alterações hormonais em pacientes com depressão. Pacientes com certas endocrinopatias, como o hipotiroidismo, cursam com síndromes depressivas. Estima-se que cerca de 76% dos pacientes com hipotiroidismo apresentam sintomas de depressão (Droba e col., 1989). Dessa forma, clínicos e pesquisadores já há muito tempo consideram a possibilidade de haver uma associação entre o sistema endócrino e os distúrbios afetivos. Com o desenvolvimento de vários testes sensíveis para análise bioquímica dos hormônios e de peptídeos hipotalâmicos, a psiconeuroendocrinologia se estabeleceu como uma importante área de pesquisas dos distúrbios afetivos. Os resultados dos estudos são ainda muito contraditórios. Alterações relacionadas com os distúrbios depressivos têm sido encontradas nos seguintes sistemas:
eixo hipotálamo-hipófise-adrenal;
eixo hipotálamo-hipófise-tiróide;
eixo hipotálamo-hormônio do crescimento;
eixo hipotálamo-hipófise-prolactina;
glândula pineal (melatonina).
Por muito tempo o estudo do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal teve uma atenção especial movido, principalmente, pelo interesse e entusiasmo com a possibilidade do teste de supressão do cortisol pela dexametasona (DST) servir como um marcador biológico da depressão. Atualmente estes estudos têm maior interesse na pesquisa da disfunção do eixo do que como marcador biológico da depressão (Moreno e col., 1990).
Mais recentemente o estudo do eixo hipotálamo-hipófise-tiróide tem recebido destaque. Só nos últimos quinze anos, cerca de mil pacientes foram estudados em aproximamente 50 diferentes pesquisas sobre esse tema (Schildkraut e col., 1989). Além dos constantes relatos de alterações desse sistema em um subgrupo de pacientes com depressão, várias pesquisas nos anos oitentas demonstraram importante benefício terapêutico da associação de T3 com um antidepressivo.
Fisiologia do eixo hipotálamo-hipófise-tiróide
A glândula tiróide está localizada logo abaixo da laringe, à frente e de ambos os lados da traquéia. Ela secreta dois importantes hormônios, a tiroxina (T4) e a triiodotironina (T3), que encerram grande efeito sobre o metabolismo do organismo. Secreta, também, a calcitonina, um importante hormônio para o metabolismo do cálcio.
A ausência total de secreção da glândula tiróide faz, geralmente, com que o metabolismo basal caia cerca de 40% abaixo do normal e a secreção tiróide excessiva pode fazer com que esse metabolismo basal eleve-se a 60% a 100% acima do normal. A secreção da tiróide é controlada principalmente pelo hormônio estimulante da tiróide (TSH), secretado pela glândula pituitária anterior.
Cerca de 90% do hormônio secretado pela glândula tiróide são T4 e 10% são T3. Contudo, considerável porção do T4 é convertido em T3 nos tecidos periféricos, de forma que ambos são funcionalmente muito importantes. As funções desses dois hormônios são, qualitativamente, as mesmas, porém diferem quanto à rapidez e intensidade da ação. O T3 é cerca de 4 vezes mais potente que o T4, porém está presente no sangue em quantidades muito menores e persiste por um tempo mais curto que o T4. Por conseguinte o efeito integral de cada um dos hormônios, durante o seu período de ação, por unidade de massa de hormônio é, provavelmente, igual. Isso significa, então, que aproximadamente três quintos do efeito hormonal total nos tecidos sejam supridos pela T4 e o restante pelo T3.
Para formar quantidades normais de T4 são necessários aproximadamente 50 mg de iodo ingerido a cada ano ou, aproximadamente, 1 mg por semana. Para prevenir a deficiência de iodo, o sal de mesa comum é iodado com uma parte de iodeto de sódio para cada 100.000 de cloreto de sódio. O iodo ingerido por via oral é absorvido do tubo gastrointestinal para o sangue, de maneira similar aos cloretos. Dentro de três dias, dois terços dos iodetos ingeridos perdem-se normalmente pela urina e quase todo o terço restante é removido, seletivamente, do sangue circulante, pelas células da glândula tiróide e usados para síntese dos hormônios tiroidianos. Ficam armazenados sob a forma de tireoglobulina nos folículos e mais tarde são secretados no sangue, principalmente sob a forma de T4.
Após a injeção de grandes quantidades de T4 num ser humano, praticamente nenhum efeito sobre o metabolismo basal pode ser discernido durante dois a três dias, ilustrando assim que há um longo tempo de latência antes do início da atividade. Uma vez iniciada, a atividade aumenta progressivamente e atinge seu máximo dentro de 10 a 15 dias. A partir daí, ela diminui, com uma meia-vida de cerca de 15 dias. Certa atividade persiste, ainda, seis semanas a dois meses depois. As ações do T3 ocorrem cerca de 4 vezes mais rápido que as do T4, sendo seu período de latência de 6 a 12 horas e sua atividade celular máxima ocorre dentro de 2 a 3 dias.
Para manter o metabolismo basal normal, é necessário que a quantidade apropriada de hormônio tiroidiano seja continuamente secretada e, para isso, um mecanismo específico de realimentação opera através do hipotálamo e pituitária anterior, de forma a controlar o índice de secreção tiroideana.
O estímulo elétrico de várias áreas do hipotálamo, mais particularmente dos núcleos paraventriculares e arqueado, aumenta a secreção de TSH pela pituitária anterior e, correspondentemente, aumenta a atividade da glândula tiróide. Esse controle da secreção da pituitária anterior é exercido por um hormônio hipotalâmico — o hormônio liberador da tireotropina (TRH) — que é secretado pelas terminações nervosas na eminência média do hipotálamo e, a seguir, transportado daí para a pituitária anterior, no sangue portal hipotalâmico-hipofisário.
O TRH afeta diretamente as células glandulares da pituitária anterior, para aumentar sua secreção de TSH. Quando o sistema portal do hipotálamo para a pituitária anterior se encontra totalmente bloqueado, o índice de secreção do TSH pela pituitária anterior acha-se grandemente diminuído, porém não reduzido a zero.
Um dos estímulos mais conhecidos no aumento do índice de secreção de TRH pelo hipotálamo, e, por conseguinte, da secreção de TSH pela pituitária anterior, é a exposição de um animal ao frio. Várias reações emocionais podem, também, afetar a excreção de TRH e TSH e, por conseguinte, afetar indiretamente a secreção de hormônios tiroideanos. Por outro lado, a excitação e a ansiedade — condições que estimulam apreciavelmente o sistema nervoso simpático — causam diminuição aguda da secreção de TSH. Nenhum desses efeitos emocionais, nem o efeito do frio, é observado após a secção do pedículo hipofisário, ilustrando que esses efeitos podem ser mediados pelo hipotálamo.
O aumento dos hormônios tiroideanos nos líquidos orgânicos diminui a secreção de TSH pela pituitária anterior. Quando o índice de secreção do hormônio tiroidiano eleva-se a cerca de 1,75 vez o normal, o índice de secreção do TSH cai a praticamente zero. A maior parte desse efeito depressor de realimentação ocorre mesmo quando a pituitária anterior haja sido totalmente separada do hipotálamo e o sistema portal hipotalâmico-hipofisário estejam intactos. Por conseguinte, é provável que o aumento do hormônio tiroideano iniba a secreção hipofisária do TSH, principalmente através de um efeito de realimentação direta sobre a própria pituitária anterior, porém, talvez, secundariamente por efeitos muito mais débeis agindo através do hipotálamo.
Fisiopatologia do hipotiroidismo
O hipotiroidismo ocorre devido à síntese insuficiente de hormônio tiroideano. O hipotiroidismo pode ter origem na própria glândula (hipotiroidismo primário) ou ter origem fora da tiróide (hipotiroidismo secundário).
O hipotiroidismo primário pode ser classificado em:
Tireoprivo – A perda do tecido tiroidiano leva à síntese deficiente dos hormônios, mesmo que haja estimulação máxima pelo TSH.
Bociogênico – Devido a distúrbio funcional na capacidade de sintetizar hormônio tiroidiano em quantidade adequada, induz, por mecanismo de feed-back, a uma hipersecreção do TSH que, por sua vez, provocará como resposta um aumento da tiróide (bócio).
No hipotiroidismo secundário, também conhecido como hipotiroidismo central, a tiróide está normal, mas não há estimulação adequada pelo TSH. O hipotiroidismo central pode ter origem hipofisária (necrose pós-parto, tumor) e, mais raramente, origem hipotalâmica.
Alterações do eixo hipotálamo-hipófise-tiróide em pacientes com depressão
Em um grupo de pacientes com depressão tem sido encontrado uma diminuição da resposta do TSH ao TRH. Estima-se que 25% a 70% dos pacientes com depressão apresentam essa característica (Loosen & Prange, 1982; Barry & Dinan, 1990). Esse achado tem levado a especulações sobre a fisiopatologia dos distúrbios depressivos, levantando a hipótese de um possível defeito na regulação do eixo hipotálamo-hipófise-tiróide (Kirkegaard, 1981).
Como acontece com o teste da dexametasona, uma alteração na resposta do TSH após estimulação do TRH poderia permitir distinções entre subtipos nosológicos de depressão. Para Asnis e col. (1980), um teste de estimulação de TSH anormal diferencia depressões primárias das secundárias, não somente durante o episódio depressivo, mas após a sua remissão. Por outro lado, Gold e col. (1980) e Extein e col. (1980) observaram que os pacientes deprimidos bipolares apresentam uma resposta do TSH ao TRH normal ou aumentada.
De um modo geral, a maioria dos autores é unânime em reconhecer que a normalização da resposta do TSH ao TRH ocorrendo paralelamente à remissão do quadro clínico confere a este teste laboratorial um valor preditivo. Para Kirkegarrd e col. (1978), um tratamento antidepressivo pode ser interrompido quando o teste TSH/TRH se normaliza, constituindo dessa forma um índice bioquímico do efeito terapêutico dos antidepressivos. Não obstante, autores como Langer e col. (1980) se opõem à opinião de Kirkeegarrd e col. ao estimarem que a tendência do pico de TSH em resposta ao TRH prediz apenas a evolução clínica imediata.
Algumas das principais linhas de pesquisas, metodologias e problemas envolvendo esse tema são descritas.
Efeitos da eletroconvulsoterapia (ECT)
Apesar da ECT ter comprovada eficácia no tratamento da depressão, o mecanismo de ação do eletrochoque permanece obscuro. Alterações nos sistemas de neurotransmissão monoaminérgicos têm sido responsabilizadas pela fisiopatologia da depressão, entretanto esse aminas exercem importante influência nas funções neuroendócrinas. Os estudos da resposta do TSH à estimulação do TRH em relação aos efeitos terapêuticos da ECT podem fornecer importantes informações. Alguns estudos sobre esse tópico foram realizados e os resultados foram inconsistentes (Coppen e col., 1980; Papakostas e col., 1981; Krog-Meyer e col., 1985; Nerozzi e col., 1987; Decina e col., 1987; Hofmann e col., 1989).
Krong-Meyer e col. (9185) observaram um aumento significativo da resposta do TSH ao teste de estímulo com TRH após tratamento de pacientes deprimidos com ECT. Esse aumento foi maior nos pacientes que se mantiveram sem depressão do que nos pacientes que sofreram recaída. Lykouras e col.(1991) não observaram essa variação, mas notaram uma associação positiva entre a gravidade do quadro depressivo e os valores de TSH no teste de estimulação pelo TRH, nos pacientes com depressão antes de iniciarem a ECT. Uma provável alteração hipotalâmica pode estar envolvida nos quadros depressivos, sendo que esse achado merece maiores investigações.
Tratamento
Há um debate na literatura quanto ao uso de preparações de hormônios da tiróide no tratamento da depressão. Uma revisão do tema foi realizada por Stein & Avni (1988). Alguns defendem que esses hormônios, quando prescritos associados aos antidepressivos tricíclicos (ADT), aumentariam a velocidade do começo da ação do efeito antidepressivo. Goodwin e col. (1982) relataram que a adição de 25 a 50 g/dia de L-triiodotironina trouxe resposta clínica em sete dias em pacientes que não tinham respondido previamente ao tratamento com ADT. Alguns trabalhos subseqüentes confirmaram essa observação e várias hipóteses foram formuladas para tentar explicar esse efeito. A argumento mais utilizado pelos autores é que esses pacientes teriam um hipotiroidismo subclínico (Gewirtz e col., 1988; Goodnick e col., 1989; Haggerty e col, 1990; Targum e col., 1984).
Targum e col. (1983) relataram que os pacientes que respondiam ao T3 tinham aumento dos valores do TSH no teste de estímulo pelo TRH, sugerindo que uma forma sutil de disfunção tiroidiana a nível hipotalâmico possa estar presente.
Especialmente interessante foi o recente estudo de Cooke e col. (1992). Ele estudou 8 pacientes com hipotiroidismo que haviam desenvolvido depressão após reposição com T4 e estabilização do quadro clínico. Todos os pacientes foram tratados com antidepressivos por, pelo menos, 5 semanas, sem resposta clínica. Com a introdução de T3, seis pacientes melhoraram dentro de três semanas. A pergunta que se faz aqui é: por que os pacientes não apresentavam outros sintomas de hipotiroidismo, e melhoraram da depressão com a introdução de T3? Uma hipótese seria que os pacientes com depressão e com níveis normais de hormônios tiroidianos teriam uma supressão da produção de T4 endógeno e redução de disponibilidade para conversão em T3 no cérebro (Joffe e col., 1984). Isso ainda não pode ser afirmado com segurança. De qualquer forma, esse estudo reforça a hipótese de que deve haver uma alteração da ação/regulação dos hormônios tiroidianos a nível do sistema nervoso central. Cabe ainda lembrar que diversos estudos têm encontrado elevação de T4 e/ou da taxa de T4 livre (FT4I) em pacientes com depressão maior durante os primeiros dias de hospitalização (Spratt e col., 1982; Kirkegaard e col., 1981; Chen e col., 1990).
Cronobiologia
Nos últimos 30 anos tem havido um grande interesse pelas alterações envolvendo o sistema endócrino e a cronobiologia nos distúrbios afetivos. Numerosas modificações da sazonalidade, ritmo circadiano, variação da temperatura corporal e padrão de sono são descritas em pacientes com depressão.
Os padrões de variação circadiana dos hormônios foram estudados e estabelecidos nos anos sessentas e setentas. O padrão de variação diurno do TSH passaram a ser conhecidos mais recentemente (Patel e col., 1972; Weeke & Weeke, 1973; O’Connor e col., 1973; Lucke e col., 1977; Custro e col., 1980). Atualmente há certa concordância de que o nível de TSH aumenta à tarde, atingindo um pico aproximadamente entre dez horas da noite e a meia-noite. Pela manhã os níveis de TSH vão baixando, sendo os menores valores encontrados em torno de dez horas da manhã (Utiger, 1986). Variações de T3 e T4 também foram observadas, mas apenas com um pequeno grau de flutuação. Isso pode ser explicado pelo meia-vida prolongada do T4 e pela grande quantidade disponível do hormônio ligado às proteínas e armazenado na glândula tiróide.
Em pacientes com depressão foi descrita uma elevação noturna menor do TSH (Goldstein e col., 1980; Kjellman e col., 1984; Weeke & Weeke, 1978; Souetre e col., 1986), apesar de haver outros estudos em que essa alteração não foi confirmada (Kijne e col, 1982; Weeke & Weeke, 1980). Durval e col. (1990) encontraram uma diferença significativa na resposta do TSH ao TRH em pacientes com depressão comparados com controles, dependendo do horário em que era realizado o teste de estimulação com o TRH. Essa diferença era maior às onze horas da noite do que às oito horas da manhã.
Ainda que esse estudos não tenha trazido importantes contribuições para o conhecimento da fisiopatologia dos distúrbios depressivos, eles são úteis na medida em que determinam a variações diurnas/noturnas dos níveis hormonais. O negligenciamento desse fator pode levar a resultados falsos e contraditórios em pesquisas. Wilson e col. (1992) recomendam que nas pesquisas sejam especificados os horários da coleta de amostras para avaliação dos hormônios tiroidianos em pacientes com depressão, o que pode ajudar a diminuir as discrepâncias na literatura.
Outros fatores também modificam os níveis dos hormônios tiroidianos. Os cloretos inibem a ligação do T4 com a albumina. Logo, pacientes com baixos níveis de cloretos terão mais T4 ligados à albumina (Rajatanavin e col, 1984). Como T3 e T4 circulam no organismo ligados às proteínas, as concentrações desses hormônios acompanham os valores séricos da albumina (Csako, 1987). Chen e col. (1990) identificaram, dentre outras medidas, que os pacientes com depressão tinham baixos níveis de cloretos e a albumina tendia a ser alta. Esse grupo de paciente apresentou níveis de altos de T4 e FT4I, que se normalizaram com a reposição de cloretos e diminuição da albumina. Como esses pacientes receberam tratamento com antidepressivos, a questão permanece em aberto.
Conclusões
Apesar de um grande número de estudos relacionarem modificações do eixo hipotálamo-hipófise-tiróide com os estados depressivos, as diferentes metodologias empregadas nas pesquisas fazem os resultados parecerem confusos e contraditórios. Um grande número de variáveis influenciam as dosagens de TRH, TSH, T3 e T4. Mesmo em controles, sem problema médico importante ou uso de drogas, a resposta do TSH ao TRH apresenta uma ampla variação. Os pesquisadores, além disso, utilizam critérios diferentes para identificação de um caso com distúrbios depressivo, o que provavelmente leva a obtenção de amostras heterogêneas. Os sistemas computadorizados de multidiagnósticos como, por exemplo, a LICET-D10 (Sougey,1992), são mais adequados para a seleção de pacientes deprimidos. Esses sistemas são mais confiáveis e permitem melhor comparação entre as pesquisas. Estudos mais rigorosos, com controle das variáveis que modificam esses hormônios e seleção criteriosa dos pacientes, podem trazer grandes progressos para compreensão dos distúrbios depressivos.
Provavelmente, um subgrupo de pacientes com depressão apresenta hipotiroidismo subclínico e, às vezes, clínico. Isso tem ficado mais evidente com o grande número de pesquisas evidenciando diminuição de T3 e/ou T4 e diminuição da resposta do TSH ao TRH. Parece que há um mecanismo que, durante a depressão, modifica o padrão de funcionamento do hipotálamo. Esse subgrupo de pacientes com depressão merece uma especial atenção, visto que eles apresentam padrão de resposta terapêutica diferenciada, o que pode contribuir para o desenvolvimento de tratamentos mais eficazes para os distúrbios depressivos.
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